Geert Wilders: participou na campanha. E disse: “A América está a viver exactamente a mesma situação que a União Europeia: uma enorme desconexão entre a elite e o povo. A crescente influência da imigração e a incerteza económica induziram uma necessidade de protecção enorme nas pessoas, mas a velha classe dirigente vive num outro planeta e nem sequer tem ideia daquilo que as pessoas pedem”. Todo um programa!
Também Matteo Salvini, líder da “Lega Nord”, esteve com Trump na campanha: “Go, Donald, go!”. Depois, Nigel Farage, recebido na Trump Tower. Nos USA, o Ku, Klux, Klan anima-se e reergue-se. David Duke viaja até ao centro do espaço público. Stephen K. Bannon, ultra, vai integrar a equipa do Presidente. Em França, Marine Le Pen está em alta nas sondagens, poderá ir à segunda volta e mesmo vencer as eleições presidenciais. Em Itália, Matteo Renzi está em sérias dificuldades por causa do referendo Constitucional (radical alteração da natureza do Senado e fim das Províncias) que irá ter lugar no dia 4 de Dezembro.
O alarme já tocou nos principais meios de comunicação, “Financial Times”, “Wall Street Journal”, “New York Times”, que vêem nisso um perigo para a União. O “Movimento5Stelle” está do lado do “Não” e se houver uma derrota de Renzi isso representará mais uma etapa ganha para a meta das legislativas previstas para 2018 (se não houver antecipação) e talvez para um novo referendo, desta vez sobre a permanência de Itália no EURO. O M5S não é seguramente um partido de extrema-direita, mas é um movimento populista de inspiração carismática e defensor da democracia (digital) directa. Tem vindo a agitar a bandeira do referendo sobre a moeda única.
Na Áustria, a extrema-direita tem vindo a ganhar força em direcção às eleições presidenciais de Dezembro. Geert Wilders está bem posicionado para disputar e ganhar as eleições na Holanda. Na Hungria já governa a extrema-direita. Na Alemanha, o Partido da Senhora Frauke Petry, “Alternative fuer Deutschland”, dos 12,5% parece já ter passado aos 16%, como noticia a “Euronews”, de 23.09. A vitória de Trump dar-lhe-á um suplemento vitamínico.
Refugiados e imigração
Para além dos movimentos estruturais que se estão a verificar no subsolo da política mundial, há um fio condutor que vem determinando o essencial destes processos políticos: as migrações – refugiados e imigração. Depois, a ameaça terrorista indiscriminada. E a reacção é a do fecho em concha. Sendo certo que quem melhor interpreta esta tendência é a direita radical, a do nacionalismo e, consequentemente, a que empola o medo do outro.
Na verdade, a questão dos refugiados está a tornar-se talvez no principal problema da Europa. Mas também o terror e a imigração. O Brexit e Trump são em grande medida filhos disto. E a verdade é que a União não tem sabido lidar com estes problemas, preocupada que anda com os números do Pacto de Estabilidade e Crescimento.
Falta política e coragem para a implementar. Falta liderança e, consequentemente, confiança e responsabilidade política. E o resultado poderá ser uma catadupa de referendos sobre a permanência na União de muitos países. NEXIT, FREXIT, referendo sobre o EURO em Itália? Uma coisa é certa: não se avança às arrecuas. E com certos personagens nos centros de poder. O caso de Durão Barroso é importante porque a ida directa da Presidência da Comissão para o Goldman Sachs diz tudo sobre a grandeza histórica dos personagens e sobre o que fazem quando ocupam determinados cargos.
O Manifesto
Um conjunto de personalidades europeias, conscientes do perigo, publicaram um Manifesto para a salvação da União. Entre nós, Jorge Sampaio alertou para as grandes questões em agenda, num belo ensaio. Os perigos identificados no Manifesto são os que acima referi. E reconhece-se que na nova ordem mundial os Estados europeus precisam como nunca de estar integrados na União para fazer face ao crescimento de outros centros de poder internacional, mas também à retracção progressiva dos USA, com todas as consequências que isso terá no plano estratégico-militar, do ambiente global, da política internacional e do comércio.
Num mundo global fragmentado como nunca, prescindir de uma União forte em todas a suas dimensões, a começar pela política, é meio caminho andado para a irrelevância e para a regressão histórica, económica e civilizacional dos países europeus, em particular dos menos robustos. Aumentarão as tensões internas e externas e não haverá um comando unificado para lhes fazer frente, até porque poderá acontecer que muitos países sejam governados por nacional-populistas e belicistas.
Uma coisa são os governos em alternância entre o centro-direita e o centro esquerda, outra são governos de extrema direita. O médio oriente está caótico, os caminhos que a vizinha Turquia de Erdogan está a percorrer são perigosos e imprevisíveis. A Rússia de Putin tem vindo a exibir algum comportamento de natureza imperial. A situação interna de alguns países do centro europeu poderá vir a tornar-se explosiva – até pela sua composição multicultural – se a extrema direita chegar ao poder.
O Futuro
A política está a reemergir à revelia da consciência dos protagonistas que a estão a fazer, neste momento. Não está, pois, a ser interpretada e assumida pelos dirigentes europeus, que continuam a funcionar como se nada estivesse a acontecer. Bem sei que está prevista uma data para grandes decisões: Março, sessenta anos do Tratado de Roma. Nessa altura haverá eleições na Holanda e já estará a correr a competição eleitoral em França.
O que, entretanto, poderá ter acontecido em Itália, se Matteo Renzi perder o referendo constitucional, não o sabemos neste momento. Tal como o que se irá passar na Áustria. Mas há uma coisa que todos sabemos: em períodos de grande instabilidade é preciso ter soluções políticas claras, lideranças à altura e coesão política nos grandes centros de decisão.
Do que se trata, então, é de responder com clareza e eficácia aos desafios que se põem à União:
- Bater-se para que os seus membros não passem a ser governados pela extrema-direita;
- Mobilizar a cidadania europeia, dando-lhe meios de expressão e de condicionamento do processo político (no manifesto fala-se, e bem, de “democracia deliberativa”);
- Promover “listas transnacionais para as próximas eleições europeias” dando assim corpo a uma autêntica cidadania activa europeia;
- Executar de vez uma verdadeira política externa e de defesa europeia;
- Duplicar o plano Juncker para os investimentos;
- Criar um Erasmus para os estudantes das escolas médias;
- Desenvolver uma política de I&D comum no campo da defesa.
Mas a ambição, no meu entendimento, não deveria ficar por aqui, porque sem um novo enquadramento constitucional a resposta do sistema político europeu aos desafios será sempre insuficiente. Acresce também a urgência de pôr na agenda uma política fiscal convergente e fortes mecanismos comuns de regulação e suporte do sistema financeiro europeu (ou o reforço do “European Stability Mechanism”, como refere Wolfgang Muenchau, do “Financial Times”).
Uma coisa é certa. A ambição tem de estar ao nível dos desafios e dos problemas. E, no essencial, a superestrutura política e decisional da União tem de reforçar a sua componente electiva de modo a que possam ser imputadas responsabilidades políticas às lideranças. O que não é possível é o Poder continuar nas mãos de desconhecidos eurocratas e das diplomacias nacionais (sendo, ainda por cima, umas mais nacionais do que outras).
Ainda me lembro muito bem da longa batalha travada por Altiero Spinelli contra estas últimas, as mesmas que recusaram accionar o “Projecto de Tratado que Institui a União Europeia”, aprovado (somente com 31 votos contrários), sob o seu impulso, em 1984, pelo Parlamento Europeu.
Uma Plataforma Cívica Federal
A criação de uma Plataforma Cívica Federal, em Janeiro de 2017, só peca por tardia. Faltou-nos, de facto, um Spinelli que a promovesse no devido tempo. Mas sempre é melhor tarde que nunca. De qualquer forma, esta plataforma só poderá funcionar se entrar directamente nos Estados Membros, nos Media e nas Redes Sociais. E se se constituir como movimento com vista à formação de uma robusta opinião pública europeia, de uma eficaz democracia deliberativa europeia (que corporize aquela) e de uma cidadania europeia (que a accione).
E este combate deverá ser assumido pela ala mais avançada das instituições e da política europeia, pondo ao seu serviço todos os meios disponíveis. Ao serviço da Ideia de Europa e não, mais uma vez, ao serviço dos que se servem dela para se servirem a si próprios.