Uma prova de que o Jornal Tornado se tornou uma realidade – e por isso mesmo um incómodo e uma necessidade, um alvo e uma seta a voar com rumo certo – é que, mau grado algumas dores da sintomatologia de quem cresce, volta a ser alvo de ataques informáticos no momento exato em que, no coletivo, decide que novas aventuras podem estar no seu horizonte.
Os últimos dias têm sido de criativa agitação e fossem outros os tempos já este jornal andaria em banca e a tomar-se de exaltações nas parangonas, titulando a vida tal qual a concebe e quer. Mas os tempos mudam e as novas tecnologias ofereceram-nos o escaparate da timidez: em vez de irmos à banca ler “as gordas” ou em última opção comprar a publicação do dia, é nas entranhas sinuosas do computador que agora nos expressamos, crianças em úteros débeis, prisioneiros da nossa imensa liberdade – e todos temos opinião, mesmo que errada ou de superfície.
Quando vemos campanhas eleitorais, normalmente, a informação é emanada de vários níveis: de jornalistas da ideologia de cada candidato; de lobistas; e de assessores de comunicação mais ou menos bem pagos pelas cores variadas das campanhas e de uma rede de comunicadores, para os quais também vão uns trocos, de ativos agitadores das redes sociais que constroem e destroem a informação, de modo a informar o que o jornalismo sério negaria.
O Tornado, combatente, opositor desses perfis, é por isso mesmo muito incómodo.
Tal como não compro aquele jornal risível mas de tão grande audiência, também ganhei o hábito de procurar no Tornado os exercícios de pensamento a que nos habituou. Nesse campo, é um jornal que (se) arrisca.
Pensar não é uma prioridade dos tempos que correm e evitá-lo parece ser a grande arma onde os inimigos do progresso instalam os seus projetos. É que se as “massas” não pensarem, serão fáceis de conduzir aos redis: tropeçam nos finos fios das suas pequenas intrigas e permitem aos grandes prosseguirem e ampliarem as suas grandezas.
Nos últimos dias, o Tornado tentou chegar a pontos quase impenetráveis. Digo Moçambique, para dar um exemplo, onde a informação é a oficial, escassa e sofre de bloqueios intencionais. Quem percorre Moçambique sabe da sua pobreza – e espanta-se com as suas riquezas. Entende as violações dos direitos humanos, em quase cem por cento do território. Assiste a preparativos para a guerra – uma vez mais – que está apenas de regresso, depois de algum tempo a preparar-se. A utopia da Paz que parece em período mau em todos os continentes, ali não é exceção. Mas o Tornado, ainda para seguir a linha do exemplo, conseguiu ir a Moçambique na hora das portas fechadas.
A par disso, foi à Cidade de Deus e viu o novo Brasil sem esperança, esse que cumpre um novo estertor, que é condicionado pelos que tomaram o poder pela traição e agora exibem a sua mediocridade ideológica.
Ao mesmo tempo, o Tornado foi à nova América que, daqui a pouco menos de dois meses, ajudará a marcha média com que o mundo se aproxima dos abismos.
Enquanto fez tudo isto, fundamentava-se e opinava-se num jornal onde o número de páginas vistas ultrapassou já previsões bem otimistas.
Outros exemplos seriam possíveis.
Tudo isto para dizer que o Tornado cumpre com o difícil exercício de pensar. Não é um jornal para estes tempos. Dificilmente encontrará investidores para este formato – pois pensar não traz lucro fácil ao investidor. E no entanto, uma pequena alusão aqui seria mais vista que em todas as páginas do tal jornal risível e sem escrúpulos de qualidade ou mesmo de jornalismo digno desse nome.
Tive, ao longo da vida, muitos, mas mesmo muitos alunos, a esmagadora maioria deles já adultos. Há tempos, um, interrompendo uma aula, fez um pedido. Que não lhe ensinasse matéria, ou como fazer um trabalho para avaliação, nem que sequer lhe ensinasse a estudar – o que era, entre todas as tarefas, uma das que considerava a mais difícil. Mas que tentasse ensinar a ele e ao grupo dos colegas, a pensar. Simplesmente a pensar. A verificar como o pensamento pode crescer, estimular-se, peneirar o bom e o mau ficando com o melhor.
Executámos a partir daí alguns exercícios. Juntos aprendemos a pensar, pelo menos num dos muitos formatos possíveis, gerindo metodologias operatórias por vezes tão difíceis de adquirir, até de equacionar.
Há poucos dias, lia eu uma entrevista com uma pensadora portuguesa, Maria Filomena Molder, em que sugeria uma coisa que me encanta, a qual é que o pensamento requer lentidão. Dizia ela:
“O pensamento conhece a solidão absoluta. Todo o esforço da nossa vida é na verdade dar-lhe forma, desde o fazer pão a abrir uma cova para enterrar alguém, a escrever um livro, a inventar um axioma. Tudo isso são efeitos da incidência da solidão imensa e irreparável do pensamento sobre o respirar, o correr do sangue nas nossas veias, o andar, (…) a matriz da infância(…)”.
Uma prova hoje de que o Jornal Tornado é uma realidade – uma prova de que é! – reside nisso mesmo: confere a dinâmica do pensamento sobre o respirar. E o pensamento – pensar! – também é uma das últimas utopias. Agarremo-nos a ela.
Este artigo respeita o AO90