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Sábado, Fevereiro 1, 2025

O drama dos bancos e o peso sobre os portugueses

Jorge Fonseca de Almeida
Jorge Fonseca de Almeida
Economista, MBA, Pos-graduado em Estudos Estratégicos e de Segurança, Auditor do curso de Prospectiva, geoeconomia e geoestratégia, Doutorando em Sociologia

paulo-macedo

O espectáculo indecoroso promovido a meias pelo PSD/CDS e os administradores da Caixa Geral de Depósitos a propósito da incompreensível recusa de apresentação das declarações de rendimentos e das absurdas remunerações atribuídas acabou, como seria de esperar, com a triste demissão de António Domingues depois de várias semanas em que este deixou degradar a imagem da Caixa, apresentada aos olhos dos portugueses como uma empresa pública envolvida em disputas políticas e em que os seus gestores pretendem atribuir-se privilégios inaceitáveis, como se a empresa fosse deles, e sem que o accionista intervenha para pôr ordem na caserna.

Naturalmente que com António Domingues deviam ter saído o secretário de Estado que promoveu a sua escolha e os administradores-estudantes que foram enviados para o banco da escola pelo BCE devido à sua incompleta formação para este tipo de cargos. Sendo assim parece que continuam a existir ingredientes suficientes para que a saga continue.

Esperemos que o próximo Presidente da CGD possa em sintonia com o Governo afastar estes focos de desnecessária controvérsia

Em paralelo com estes clamorosos tiros no próprio pé dados pelo Governo e pela Administração da Caixa, o PSD lançou um inquérito parlamentar que fragiliza o processo de recapitalização e pode atrasar importantes decisões para o futuro do banco público. Aqui o que está em causa é uma disputa de lugares, no fundo a partidarização da administração da Caixa, como fica bem patente com a nomeação do ministro da saúde do governo PSD-CDS, Paulo Macedo, como novo presidente executivo, logo aplaudida por toda a imprensa afecta à direita.

Como chegámos a esta situação?

Caixa Geral de Depósitos | Edifício e logo

A recapitalização da CGD insere-se num processo mais geral da reestruturação da banca portuguesa, necessária para sanar os erros clamorosos de gestão levados a cabo pela administração da generalidade dos bancos nacionais no período que se segue à adopção do Euro e a incapacidade de perceber como funciona a unificação monetária e os perigos que representa para o sistema financeiro de países periféricos.

Estes erros, visíveis aos olhos de qualquer observador independente, foram desprezados pela generalidade dos jornalistas económicos que pelo contrário teciam louvores à capacidade de gestão dos banqueiros portugueses, considerando-os praticamente geniais. Pouco depois estavam a diaboliza-los considerando-os criminosos. Hoje continuam a adorar acriticamente os que estão em funções e a, cobardemente, invectivar os que são afastados.

Estes erros de gestão estão a ser pagos com língua de palmo pela grande maioria dos portugueses

O maior erro consistiu em emprestar mais do que seria prudente. De facto os bancos entraram num frenesim de atribuição de volumes de crédito a empresas, sem olhar ao risco, em valores que muito ultrapassavam os dos depósitos dos seus clientes. Acresce que se endividavam no exterior a prazos curtos, para beneficiar de juros mais baixos, e emprestavam em Portugal a prazos muito mais longos.

O segundo grande erro foi o de emprestar sem cuidar de obter garantias que salvaguardassem os reais riscos em que incorriam. O terceiro grande erro foi o de estabelecer preços com spreads muito baixos e sobre um indexante controlado por entidade estrangeira: a Euribor controlada pelo BCE.

Outro erro clamoroso foi feito pelas entidades de supervisão. O negócio, pedir no estrangeiro e emprestar sem olhar a quem em Portugal, era aparentemente rentável e os bancos distribuíram milhares de milhões em lucros aos seus accionistas. Mas não eram lucros que estavam a distribuir era o capital. Isso foi possível apenas com o beneplácito das entidades de supervisão, nomeadamente o Banco de Portugal, que não obrigaram os bancos a provisionar o que já se antevia ser uma onda de crédito mal parado que se ia acumulando nos balanços.

Crise de líquidez e como esta originou a crise da dívida soberana

No momento em que o Lehman Brothers faliu, e se iniciou uma crise de liquidez, isto é os bancos evitavam emprestar uns aos outros com medo da falência do vizinho, os bancos portugueses estavam, pois, muito endividados.

Os Bancos no início da crise enfrentaram dois problemas essenciais um de liquidez e outro de solvência

O primeiro, de liquidez, consistia na impossibilidade de saldar as suas dívidas já que não dispunham de dinheiro nem encontravam outros que lho emprestassem. Esse problema foi ultrapassado exigindo a intervenção estrangeira da troika – lembram-se de Carlos Santos Ferreira (Bcp) à frente de outros banqueiros a instar o governo a pedir “ajuda” externa. A ajuda externa veio para os bancos, através de programas de financiamento do BCE, mas para os portugueses apenas se traduziu em austeridade e empobrecimento.

Em troca da ajuda à liquidez o BCE exigiu um forte reequilíbrio do balanço dos bancos com redução do crédito concedido

A primeira vítima dessa impossibilidade de conceder crédito foi o Estado. Sem que os Bancos pudessem comprar a dívida pública iniciou-se outra fase da crise: a da dívida soberana, que veio impor mais restrições, austeridade e empobrecimento.

Mas as restrições de crédito chegaram também às empresas, com um forte impacto na tesouraria primeiro, o que levou ao tapete as mais endividadas, e no investimento depois.

Se bem que hoje a generalidade dos bancos já não tenha situação de liquidez desequilibrada, este movimento de correção levou vários anos e provocou uma enorme devastação económica e social. O crédito contudo ainda não flui para a economia devido ao segundo travão: a crise da solvabilidade.

Crise de solvabilidade

O segundo problema era o da solvência. Agravado pelas restrições ao crédito o crédito mal parado, já elevado, explode e provoca fortes prejuízos na operação da banca e que se traduz por uma descapitalização profunda. Sem capital a falência é inevitável, arrastando accionistas, investidores e clientes aforradores.

Os montantes de crédito incobrável são elevados e impõem-se uma recapitalização do sistema. Os privados recusam-na. E o Estado tem sido obrigado a salvar os bancos, assumindo os prejuízos passados e a capitalização futura. Assim foi no BPN, no Banif e está a ocorrer no BES/Novo Banco. Dir-se-ia que se trata de uma nacionalização gigantesca de todo o sector. Na verdade contudo trata-se apenas da nacionalização dos prejuízos já que as instituições saneadas são imediatamente entregues à iniciativa privada, normalmente por um valor simbólico. O prejuízo nacionalizado recai com todo o peso nos cortes de benefícios sociais e das despesas públicas nomeadamente na saúde, pensões, educação e cultura.

Domínio estrangeiro

Preocupante é o facto de ser a Espanha que, através da absorção dos bancos saneados pelo dinheiro publico, tem vindo a controlar quotas de mercado crescentes do sector financeiro português, com todo o perigo que esse domínio comporta, uma vez que ficam na posição de controlar o tipo e o ritmo do investimento das empresas portuguesas, nomeadamente daquelas que concorrem com as empresas espanholas nos mercados nacionais e internacionais.

O mesmo, assunção de custos e posterior entrega a estrangeiros, se preparava para fazer com a Caixa o governo Passos. No entanto por pressão dos partidos que actualmente apoiam o governo no Parlamento foi possível recapitalizar a Caixa mantendo-a no sector público. A nova gestão, liderada por um destacado membro do governo anterior, não dá garantias que o plano do PSD tenha sido posto de lado.

Existindo ainda bancos no sistema financeiro português com fortes problemas de capitalização é natural que este movimento de salvação de instituições de crédito com dinheiro público continue no próximo ano e para além dele.

Crise persiste. Desafio do modelo de negócio

Com a descida das taxas de juro impostas pelo BCE a banca enfrenta hoje um problema de rentabilidade. Tendo emprestado a muitos clientes com base em spreads minúsculos sobre a taxa base do Euro (Euribor) os bancos confrontam-se hoje com juros a receber dos empréstimos extremamente baixos, por vezes mesmo mais baixos do que têm de pagar pelos depósitos e outros passivos. Nestas condições a operação passa a ser não rentável uma vez que as comissões não podem subir muito uma vez que já são em Portugal extremamente elevadas.

Impõe-se encontrar um modelo de negócios que permita subir os juros a receber pelo crédito e diminuir os juros a pagar pelos passivos. Isso será possível com uma expansão do crédito que permita diluir a importância da carteira de crédito com juros baixos ou nulos. A expansão do crédito só é equacionável após uma capitalização considerável dos bancos.

Esta situação pantanosa no sector financeiro está a restringir o crédito e a impedir o investimento, sem o qual o atraso económico e social se intensifica, e a atrasar o desenvolvimento do país, que não pode continuar sustentadamente a crescer com base nas receitas do Turismo, por mais relevantes que estas sejam.

Alternativa desejável

O que se impõe é o controlo estatal de partes significativas do sector financeiro, muito para lá da Caixa, evitando o controlo estrangeiro, e através de um saneamento dos balanços profundo, retomar o financiamento quer do sector público quer do sector privado, nomeadamente do investimento produtivo, contribuindo assim, decisivamente para o desenvolvimento económico.

Não parece porém que seja esta a estratégia do governo Costa para o sector, que pelo contrário persiste em assumir os custos e entregar os bancos a estrangeiros, com forte prejuízo para todos nós.

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