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Domingo, Setembro 1, 2024

Chomsky adverte para verdadeiras ameaças à nossa sobrevivência

Noam Chomsky

Linguista, filósofo e activista político americano, Noam Chomsky, professor emérito no Massachusetts Institute of Technology (MIT), onde leccionou ao longo de mais de 50 anos, falou sobre as duas mais perigosas ameaças que a espécie humana enfrenta hoje: a possibilidade de uma guerra nuclear e a destruição causada pela aceleração das alterações climáticas. Na sua intervenção, teceu várias considerações e lançou alguns alertas. Desta forma, destacamos alguns momentos e afirmações que nos parecem mais relevantes:

O isolamento dos EUA

“O isolamento dos EUA no mundo aumenta de forma notável. Talvez o mais impressionante ocorra neste mesmo hemisfério, naquela a que costumamos apelidar de “a nossa pequena região” , «onde ninguém nos incomoda. Se alguém sair da linha, vamos puni-lo severamente; caso contrário, eles fazem o que dizemos». Isso está muito longe de ser verdade.

Durante este século, a América Latina, pela primeira vez em 500 anos, libertou-se do imperialismo ocidental.

O século passado são os Estados Unidos. O Fundo Monetário Internacional, que é basicamente uma agência do tesouro dos EUA, tem vindo a ser expulso da América do Sul; já não existem bases militares americanas; as organizações internacionais começam a excluir os Estados Unidos e o Canadá. Em 2015, esteve agendada uma Cimeira onde os EUA poderiam ter sido excluídos, em definitivo, do hemisfério sul, devido à questão de Cuba. Essa terá sido, certamente, a razão pela qual Obama fez o gesto no sentido da normalização das relações entre os dois países. Foi, pelo menos um passo em frente — e pode ser revertido por Trump. Não sabemos.”

A expansão da China

“A uma escala muito mais abrangente, algo semelhante está a acontecer na Ásia. Como sabem, uma das principais políticas de Obama foi o pivô chamado Ásia, que era na verdade uma medida para enfrentar a China, com transparência. Um componente do pivô para a Ásia foi o TPP, a parceria Transpacífica, que excluía a China, e tentava trazer a si outros países região Ásia-Pacífico. Bem, ao que parece, o TPP está a caminho do colapso, por razões muito boas, eu acho. Mas ao mesmo tempo, há um outro acordo de comércio internacional que está em formação, ou seja, liderado pela China — a que chamam Parceria Económica Regional Abrangente, que inclui aliados dos EUA, do Peru à Austrália e ao Japão.

Os EUA provavelmente optarão pela não adesão, ficando isolados. Como têm ficado afastados do Banco Chinês de Desenvolvimento das Infraestruturas da Ásia, uma espécie de contrapartida para o Banco Mundial, ao qual os EUA se opuseram durante muitos anos, mas agora foi criado por praticamente todos os aliados dos EUA, incluindo a Grã-Bretanha. Ou seja, assistimos à expansão da China a Oeste, com a Organização de Cooperação de Xangai, as Estradas da Seda sedeadas na China.

Todo o sistema é um sistema integrado de recursos de energia, partilha e assim por diante. Inclui a Sibéria, com os seus ricos recursos. Inclui a Índia e o Paquistão. O Irão em breve irá juntar-se, pelo que parece e provavelmente a Turquia. Isto irá estender a China até à Europa. Os Estados Unidos pediram estatuto de observador, o que foi rejeitado. E um dos principais compromissos da Organização de Cooperação de Xangai, toda a Ásia Central o afirma, é que não pode haver qualquer base militar dos EUA em toda a região.”

As opções da Europa

“Um outro passo na direcção do isolamento poderá ocorrer, em breve, se o Presidente eleito cumprir a promessa de acabar com o acordo nuclear com o Irão. Outros países que são partes do negócio poderão continuar. A Europa, principalmente. Isso significa ignorar as sanções dos EUA. O que irá aumentar o isolamento dos Estados Unidos, até mesmo da Europa.

E na verdade, a Europa pode mover-se, nestas circunstâncias, no sentido de desistir do confronto com a Rússia. Na verdade, o Brexit pode ajudar, porque a Grã-Bretanha foi a voz dos Estados Unidos na OTAN, a voz mais severa. Agora, a sua saída permite à Europa algumas oportunidades. Havia escolhas em 1990, 91. Mikhail Gorbachev tinha uma — a que chamou uma visão de uma casa comum europeia, um sistema integrado de segurança, comércio, intercâmbio, sem alianças militares, do Atlântico ao Pacífico.

Os Estados Unidos insistiram em uma visão diferente — ou seja, a União Soviética entrou em colapso, a OTAN permanece e, com efeito, expande-se, até à fronteira da Rússia, onde muito sérias ameaças diariamente são evidentes. Bem, tudo isto são desenvolvimentos significativos. Estão relacionados com o assunto amplamente discutido do declínio do poder americano.”

As opções dos EUA

“Existem algumas medidas convencionais que, no entanto, são enganosas de um forma bastante interessante. Eu só vou dizer uma palavra sobre isso, porque não há tempo, mas é algo para se pensar seriamente. Através de medidas convencionais, em 1945, os Estados Unidos tinham alcançado o pico do domínio global — não há nada igual na história. Tinham talvez 50% da riqueza total do mundo.

Outros países industrializados foram devastados ou destruídos pela guerra. A economia dos EUA tinha prosperado enormemente com a guerra e os Estados Unidos, em geral, tinham uma posição dominante sem paralelo histórico. Bem, isso, claro, não poderia durar. Outros países industrializados reconstruíram-se, entretanto. Por volta de 1970, o mundo foi descrito como tripolar, com três grandes centros económicos — o da Europa alemã, um sedeado nos Estados Unidos da América do Norte e a área do Nordeste asiático, com o Japão como parceiro. Nessa altura, a participação dos EUA na riqueza global foi cerca de 25 por cento. E não é muito inferior à de hoje.”

A posse da economia mundial

“Bem, tudo isto é altamente enganoso, por não levar em conta um factor crucial, que quase nunca é discutido, embora haja algum trabalho interessante sobre ele. Essa é a questão da posse da economia mundial. Se observarem as corporações multinacionais ao redor do mundo, o que têm? Bem, isso acaba por ser um assunto muito interessante. No período de globalização neoliberal da última geração, a riqueza corporativa está a tornar-se uma medida mais realista do poder global do que a riqueza nacional.

A riqueza corporativa, claro que é sediada em cada país, é suportada pelos contribuintes como nós, mas a sua posse nada tem a ver connosco. A propriedade corporativa, se repararem bem, e verifica-se em praticamente todos os sectores económicos — manufacturas, finanças, serviços, retalho e outros, — as corporações sediadas nos EUA estão na liderança da economia global; e está perto de 50 por cento do total. Isso é, aproximadamente, a proporção da riqueza nacional dos Estados Unidos em 1945, o que diz algo sobre a natureza do mundo em que vivemos.

Claro que nada disto é em benefício dos cidadãos americanos, mas de quem detem e gere estes sistemas privados ou publico-privados quase totalitários. Se olharem para a dimensão militar, é claro, os EUA tem a supremacia. Ninguém está nem perto. Não faz sentido falar sobre isso. Mas é possível que a Europa venha a ter um papel mais independente. Poderá mover-se em direcção a algo semelhante à visão de Gorbachev. Isso pode levar a um abrandamento das tensões crescentes e muito perigosas na fronteira russa, o que seria uma evolução muito positiva.”

Ameaças e perigos

“Bem, muito mais há a dizer sobre os medos, as esperanças e as perspectivas. As ameaças e perigos são muito reais. Há uma abundância de oportunidades. E ao enfrentá-los, particularmente os jovens, entre vós, não devem descurar, em momento algum, o facto de que as ameaças que enfrentamos agora são as mais graves que já surgiram na história da humanidade. São ameaças à sobrevivência: guerra nuclear, a catástrofe ambiental. Estas são preocupações muito urgentes.

E não podem ser adiadas. Têm de ser enfrentadas directamente e em breve, se a experiência humana não provar ser uma falha desastrosa.”

 

Fonte: democracynow.org

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