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João de Sousa

Quarta-feira, Dezembro 25, 2024

Instabilidade à beira da ruptura

Atingindo directamente as principais figuras do governo Temer, incluindo o próprio presidente, as primeiras revelações das quase oito dezenas de depoimentos de executivos da Odebrecht feitos no âmbito da operação Lava Jato vêm agravar ainda mais o clima de grande instabilidade política que o país atravessa há já largos meses.

Desde um pedido directo de financiamento feito por Temer no próprio palácio do vice-presidente – cargo que então ocupava – a sistemáticos pagamentos milionários a deputados e senadores para garantir a aprovação de medidas legislativas favoráveis, este primeiro depoimento revela de forma escancarada a profundidade da crise a que chegou o sistema político brasileiro, cujo funcionamento parece ter-se degradado ao ponto de não funcionar mais fora de esquemas de corrupção.

A julgar pelas revelações, o financiamento de partidos e campanhas feito à margem da lei em troca de contratos garantidos com o Estado a preços inflacionados atinge transversalmente a generalidade do mundo político, quase se tendo transformado, de tão frequente, no pão nosso de cada dia, aceite por todos os envolvidos com a naturalidade do ar que se respira…

Os denunciados negam, afirmando que tudo teria sido feito de acordo com a lei. Mas sabendo-se o que a casa gasta e vindo as denúncias – longamente negociadas com os procuradores do Ministério Público – de uma das maiores construtoras do país, que mantinha inclusive uma contabilidade própria, em que os pagamentos aos políticos estavam devidamente registados e contabilizados, tendo cada um deles um nome de código, é difícil não lhes conferir credibilidade.

À beira da ruptura

Embora esperadas e há muito anunciadas como “a delação do fim do mundo”, estas primeiras revelações acabaram por ser ainda mais gravosas do que se aguardava.

Não apenas porque comprometem seriamente centenas de políticos de vários partidos – o que já se sabia – mas sobretudo porque comprometem algumas das mais altas figuras do Estado – de deputados e senadores ao chefe do executivo, passando pelos presidentes das duas câmaras do Parlamento, expondo de forma nua e crua o modus faciendi da política brasileira. O rei vai nu e o espectáculo não é bonito de se ver.

Tudo isto poucas horas depois de termos assistido, ainda na semana finda, a um confronto directo entre o Legislativo e o Judiciário, quando o presidente do Senado, Renan Calheiros, se recusou a cumprir uma ordem emanada de um dos juízes do Supremo para que deixasse o cargo, já que se tornou réu em processo a decorrer no STF.

A crise aberta entre os poderes foi evitada in extremis por uma decisão polémica do colectivo de juízes da Corte Suprema, que anuiu em manter Renan no cargo, embora retirando-lhe o direito de substituir ou suceder ao Chefe de Estado, em caso de impedimento deste.

Os ânimos ainda não tinham arrefecido e já vinham aí as revelações da Odebrecht, lançando mais achas na fogueira da instabilidade que parece não ter fim à vista.

Tudo isto num contexto de economia estagnada e sem sinais de retoma a curto prazo, com vários Estados (Rio de Janeiro, Minas Gerais, Pernambuco, Rio Grande do Sul…) em situação de calamidade financeira que pode conduzir a protestos sociais generalizados como os que já ocorrem na cidade maravilhosa.

Uma crise anunciada

Quando, em Agosto passado, com as finanças descontroladas e culminando protestos em massa contra o PT, desqualificado pelo envolvimento no escândalo da Petrobras, Dilma Rousseff foi afastada, a esperança era de que o novo executivo fosse capaz de tomar rapidamente um conjunto de medidas capazes de encorajar o investimento e voltar a “colocar o país nos eixos” – contenção de gastos e controlo das finanças públicas, reforma da Previdência, etc.

Já se sabia então que os novos responsáveis estavam longe de ser impolutos, sobre os quais recaindo suspeitas várias e alguns mesmo já envolvidos em denúncias e processos. Mas concedia-se-lhes algum benefício da dúvida e muitos até fecharam os olhos. No debate que então se travou, alguns comentadores, antes implacáveis com o governo do PT, chegaram mesmo a afirmar que ser contra Temer era ser contra o Brasil (sic).

Mas, apesar da manifesta boa vontade dos media com que pôde contar, a verdade é que o novo executivo, fotografado na Rolleiflex da Lava Jato e do país, acabou por revelar a sua extrema debilidade. Comprometidos por denúncias e revelações, os ministros têm caído à média de um por mês e agora chega a avalancha da delação Odebrecht, que ameaça tudo arrastar no seu caminho.

Forças Armadas – “Não, mas…”

Neste contexto de instabilidade agravada à beira da ruptura, há grupos de civis que apelam à intervenção das Forças Armadas.

O comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, disse em entrevista que há “chance zero” de sectores das orças Armadas, principalmente da activa, mas também da reserva, se encantarem com a volta dos militares ao poder.

No entanto, também se mostrou preocupado com possíveis situações de violência decorrentes do agravamento da crise económica nalguns Estados – circunstância em que, de acordo com a Constituição, qualquer dos poderes instituídos poderia apelar aos militares para ajudarem a repôr a ordem.

Villas Bôas revelou que se reuniu com o presidente Michel Temer e com o ministro da Defesa, Raul Jungmann, aos quais garantiu que a tropa vive dentro da tranquilidade e que a reserva, sempre mais arisca, mais audaciosa, “até o momento está bem, sob controle”.

“Eu avisei (o presidente e o ministro) que é preciso cuidado, porque essas coisas são como uma panela de pressão. Às vezes, basta um tresloucado desses tomar uma atitude insana para desencadear uma reação em cadeia”.

Uma coisa parece certa – face às revelações da Odebrecht, o actual governo tem cada vez menos condições morais e políticas para impor um conjunto de mudanças altamente restritivas como a contenção dos gastos públicos por 20 anos ou a Reforma da Previdência – um programa que, embora porventura necessário, não foi – é bom lembrá-lo – legitimado nas urnas.

Por isso, talvez o melhor para evitar o aprofundamento da crise com consequências imprevisíveis, fosse criar condições para a realização de eleições presidenciais antecipadas. Solução que – segundo sondagem DataFolha anterior às revelações da Odebrecht – é defendida por 63% dos brasileiros.

Nota do Director

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