Com o cheiro a morte a determinar o que restou de Alepo, as forças armadas de todas as fações pensam repetir a barbárie em Idlib. onde à sua espera encontrarão, pelo menos, o aguerrido grupo jihadista Frente Fatah al-Sham. É como fugir para uma nova ratoeira, para o cumprimento de um destino sem sentido nem soluções, mas que os senhores da guerra desenham a traço grosso. Mas para as grandes potências, é negócio. Puro.
Idlib ocupa uma área que não está completamente definida
Russos e Americanos precisam muito de marcar posições. E Idlib tem a proximidade da Turquia, como atrativo. No terreno, no meio dos mais ferozes confrontos, há ainda um grupo armado que tem cantado vitória, um coro afinado e violento: o grupo iraniano, talvez o grande vencedor numa batalha de derrotados.
O mais infeliz dos vencidos é o (ainda) presidente Sírio, Bashar al-Assad, que disse, sem sorrir, cantando vitória, que se “fez história” com a “libertação de Alepo”.
Triste história, e tristíssima libertação, soltando-se os mortos dos escombros e os inocentes da falência final da suas tristes vidas. Bombardeamentos, fugas, cercos, feridos, morte, um genocídio – ao mesmo tempo que imperava uma indiferença quase total dos países do mundo. Com uma hipocrisia muito coerente, a Inglaterra saiu à ribalta para por um dedinho inglês no ar, pedir a palavra e afirmar que o Presidente Sírio tem os dias contados. Bashar al-Assad. É aquele senhor alto, acocorado por detrás da força russa. Sem os russos, a oposição armada ainda estaria agora no Leste da maior cidade Síria (essa oposição governava ali desde 2012).
A história feita pela libertação de Alepo é a dos mortos, dos estropiados, dos escudos humanos e dos raptos, das violações, da desumanidade, da coluna de refugiados que, de armas apontadas à cabeça, rumaram para noroeste para viver uma nova etapa da batalha numa outra antecâmara de morte anunciada.
A Síria é um dos pontos onde converge a vergonha humana deste martirizado século XXI.
Na conta da presidência síria no Twitter – sim, que apesar da Guerra há privilégios que se mantêm e se usufruem – o presidente Assad sorri e, num vídeo repugnante, aparece a dizer que “com a libertação de Alepo, a situação mudou, não apenas para a Síria, nem só na região, mas para todo o mundo”.
Esta libertação é, no entanto, um triunfo da morte
Vai longe a origem do conflito (os protestos de jovens em 2011, na primavera árabe, que foram reprimidos brutalmente desencadeando uma bola de neve fatal). Todos os interesses do Médio Oriente convergiram então para o conflito. E os interesses americanos e russos acorreram para ganhar com o conflito.
Grupos de alta marginalidade, com interesses económicos bem definidos, encobertos por finos véus de vocabulário religioso, viram ali a sua grande oportunidade. E, ao contrário do que Assad quer fazer crer, nada disto acabou ainda.
É tristemente ridículo notar que depois de milhares de mortos, o primeiro comboio de evacuação de civis do Leste de Alepo saiu da cidade, transportando, no total, 951 pessoas (mulheres, crianças e feridos). Entre os que foram retirados estão 200 combatentes rebeldes e pelo menos 26 crianças (fonte: Reuters).
Em Alepo ficou a vergonha de todos nós.
Este artigo respeita o AO90