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João de Sousa

Quarta-feira, Dezembro 25, 2024

A língua e a qualidade do ensino e da cooperação

A Universidade Católica de Angola teve a feliz ideia de convidar as organizações privadas e públicas do ensino superior, os escritores, os jornalistas, os empresários, os estudantes e os membros do governo que quisessem debater o comportamento da língua portuguesa no país e as formas de medir a qualidade do ensino visto que andam juntos e contribuem para a eficácia da cooperação e a internacionalização. Isto tudo para se conseguir nem mais nem menos do que a melhoria das condições de vida do povo. Articulo neste texto os tópicos mais marcantes e me pareceram indissociáveis.

Este é o sumário que vos proponho, quando enfrento o risco de chegarmos ao fim do congresso sem ninguém se lembrar dos contributos pessoais, porque somos muitos, felizmente.

São a padronização do português de Angola, a atitude em relação às línguas africanas vivas nesse país, a inserção no código de comunicação comum à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, a conciliação das especificidades africanas com a universalidade humana de conteúdos e normas, mais a identificação de vantagens particulares, visíveis ou ocultas

Sinto-me acompanhado dos cerca de 400 aprendentes reunidos neste curso, aqui no Centro de Convenções do hotel Talatona em Luanda. Lembro-me agora de felicitar a Comissão Organizadora pela escolha dos temas, dos participantes e do lugar, porque, não exageremos na omissão, a externalidade conta. Mas, resultado coletivo, já não é possível separar deste encontro o emocionante exercício das liberdades e a transformação do que bem podia ser uma justaposição de discursos e queixumes banais num curso que, na diversidade, fez questão de compreender a origem das coisas e apresentar respostas viáveis. Retenho desde já essa atitude de desafio.

Kaposoka e a Academia Angolana de Letras

E falando das circunstâncias, deixem-me acrescentar duas surpresas. Elas foram a orquestra sinfónica Kaposoka, cuja música clássica universal contrastou com a  coreografia angolana e fez sonhar com a beleza do desenvolvimento harmonioso. A outra foi a proclamação da Academia Angolana de Letras, que coincidiu, no dia 15 de Setembro de 2016, com o fim do congresso sobre as línguas, a qualidade do ensino e a cooperação internacional.

Digamos que o futuro de Angola, como do Brasil, de Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste é o multi-bilinguismo

Voltemos ao sumário para afirmar que precisamos de pelo menos duas línguas, uma de ancoragem psicológica, outra nacional e de ensino, quando as duas não coincidirem. Ou seja, temos de ter uma atitude mais clara em relação à nossa língua portuguesa. É claro que se deve fazer o trabalho de padronização e regulamentação da língua portuguesa de Angola, que faz parte daquela conciliação entre a especificidade africana e a herança cultural e científica de outras origens. Paralelamente, os investigadores precisarão de tempo e recursos para fazerem crescer outros códigos de comunicação.

No caso de Angola, teríamos os residentes e os emigrantes, teríamos o português angolano mais a língua materna quando não houver coincidência. As outras línguas internacionais (às vezes chamadas adicionais), tais como o inglês, o francês, o espanhol, o chinês, o russo, etc. são uma questão diferente, mas que o sistema educativo não pode subestimar.

Africano e universal

Incluí os conceitos de internacionalização, regionalização, continentes e ilhas na minha conversa por motivos sérios. Na verdade, a internacionalização aplica-se à economia, política e cultura, na perspetiva de que as relações entre as nações possam ser de cooperação pacífica ou de conflito de interesses, mas basta de guerras.

Assim como qualquer Estado é suposto ter políticas internas, espera-se que tenha igualmente um conjunto de objetivos, meios e estratégias que constituem as suas relações internacionais mais ou menos coerentes. O principal motivo que me faz falar de regionalização é a circunstância de discutirmos em Angola, em África, onde, para haver progresso consistente tem de haver um certo equilíbrio entre o que é universal e o que é africano, com mais paz e menos guerra.

Entendo, por outras palavras, que não podemos deixar de procurar os melhores caminhos de conciliação dos traços da identidade africana com os da humanidade. Porque existem diversas definições de continentes, refiro o termo região para incluir os continentes e as suas ilhas que são 7, 6, 5 ou apenas 4. Sejam quais forem os critérios, o continente africano mais as cinco nações insulares constituem a região africana.

Em busca do equilíbrio entre o regional e o universal, cada país e cada região procuram valorizar as vantagens locais. Por exemplo, as riquezas do solo e do subsolo, a diversidade cultural, o bilinguismo múltiplo, as migrações e a pertença à comunidade de língua portuguesa. Essa relação só será acelerada com maior investimento no sistema educativo, particularmente no ensino superior, que tem de ser consequência e locomotiva do todo.

Por mim, toda a discussão é bem-vinda, mas existem consensos mundiais sobre a educação em relação aos quais só existe uma de duas escolhas. A qualidade do ensino é um conceito contextualizado e de avaliação indireta. Medir a qualidade do ensino e da aprendizagem equivale a, de certo modo, avaliar a qualidade do ensino. Por conseguinte, diz-me qual é a língua do ensino, quem são os professores, os equipamentos, os programas, os manuais, as bibliotecas, os laboratórios, as tecnologias de comunicação, a organização e a gestão praticados, e eu te digo qual é o nível do ensino praticado. Por fim, penso eu que nas antigas colónias portuguesas, o português, a matemática e o inglês seriam linguagens básicas.

A língua portuguesa em África e Timor

Enquanto se espera a definição e a programação de assuntos mais complexos, a reafirmação inequívoca do português como língua do ensino secundário e superior exige muita discussão, compreensão e vontade. Mas, há que padronizar as línguas mais significativas de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor Leste.

Há que padronizar as línguas mais significativas de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor Leste

Paralelamente à adoção e regulamentação da lei de bases do sistema educativo parece que conviria decidir sobre a metodologia do ensino da língua que verdadeiramente tende a ser de extensão nacional. Finalmente, a atração de universidades estrageiras à altura das exigências do século XXI contribuiria para aumentar o espaço da cooperação eficaz e da concorrência.

É certo que o sistema educativo não vive antes, depois, nem fora da sociedade. Convive com ela e cabe aos líderes insistir nas articulações que deem melhores frutos. Para que se tenha uma ideia da utilidade do exercício que andamos a fazer, vejamos o número e títulos dos painéis:

  1. Pensar o ensino e a sua gestão;
  2. Sociologia da educação;
  3. Lei de bases do sistema de educação e ensino;
  4. Universidade e competitividade internacional;
  5. Ensino da língua nos países da CPLP;
  6. Português, uma língua a várias vozes;
  7. Ensino da língua portuguesa em Angola.

O caso Cabo Verde

Cabo Verde pertence à comunidade de Língua Portuguesa? Não. Então, Cabo Verde é crioulo? Não

Cabo Verde pertence à comunidade de Língua Portuguesa? Não, porque o crioulo é praticado em todos os sectores da sociedade, o ensino incluído, e o domínio do português é cada dia menor. Então, Cabo Verde é crioulo? Não, porque a língua materna ainda não reuniu todas as condições para ser padronizada, nem oficializada. É verdade que certas interpretações do conceito de identidade trouxeram mais complexidade à questão. O caminho? Por mim, exigia-se o português enquanto se vai preparando bem e sem pressas a padronização e a oficialização da língua materna. No fim teríamos o bilinguismo assumidamente complementar. Alguns trabalhos de investigação, dissertações de mestrado e teses de doutoramento incluídas, têm sido publicados. Mas a questão é política e esta tem-se confundido com as teorias do pós-facto. Por ora é a ambiguidade que domina.

Conclusão

Uma comissão organizadora motivada concebeu um bom programa que permitiu vislumbrar a educação e o ambiente em que ela se insere em Angola. Na exposição, no debate e na atitude fez-se o exercício da liberdade e da verdade. Hoje estamos mais preparados para compreender a complexa realidade e agir para a transformar. A capacidade de escutar de que as universidades públicas e privadas deram prova ao reunirem à volta de interrogações de interesse geral diversos segmentos da sociedade civil, do setor privado e do Estado impressionou os participantes. Por outro lado, esse debate sobre a língua coincidiu com a proclamação da Academia Angolana de Letras, a parceira natural e histórica do Estado e das Universidades para os assuntos da língua e da comunicação. Vamos continuar a fazer tudo para que o futuro tenha boas razões de se lembrar do 15 de Setembro de 2016?

Luanda, 14 e 15 de Setembro de 2016

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