Sérgio Inocente abusou do seu direito a espreguiçar-se, tomou todo o espaço da varanda para fingir de anaconda e, por ele, aquele era um exercício de preguicite solene que prolongaria pelo dia todo se uma visão inesperada não o obrigasse a uma reviravolta abrupta nos planos da jornada.
– E esses “merdas” aos gritos aí em baixo quem são? – disfarçou o candidato.
Zumba, a futura “first lady” se as eleições terminarem como a família espera que terminem, estava bem ao lado para abortar qualquer truque do esposo querido: – Amor, é a tua equipa de campanha. Vêm protestar porque não receberam a avença de Dezembro.
– São todos iguais. Tudo vigaristas. Queremos o nosso dinheiro – os gritos vindos da rua. Escutava-os com uma fúria incontida, o candidato. Mas a sua revolta era contra aqueles apoiantes sem palavra, que o deixaram na mão depois de mil promessas vãs.
«Esta crise ainda me afasta da política, estou a ver que sim», lamentou-se, baixinho, Sérgio Inocente, que sabia que os seus amigos empresários não eram homens de voltar atrás nas suas promessas. Além disso, estava certo de que eles precisariam da sua valiosa assinatura depois que as eleições o tiverem consagrado como a escolha do povo. «É claro que eles sabem bem que os negócios é por este lado que vão passar, no futuro», gabou-se.
– Marido, faz uns dois ou três telefonemas, não deixes que a situação lá em baixo se agrave. Já viste se os jornalistas ficam a saber do protesto? – advertiu Zumba que, com o passar dos dias, mais se andava a ajustar ao papel de eminência parda da campanha. Parece que os sucessivos atrasos na remuneração dos membros da equipa de apoio do candidato estoiraram a acutilância e o que mais se vê pelo lugar é um rame-rame sem fôlego que dificilmente ganha seja lá o que for.
– Zumba, não é este o conselho que me interessa agora. Até sabes que os amigos que temos não são de desrespeitar a sua palavra. A crise é que não está a dar tréguas. Sabes como é que isto se resolve? – pulou, de alegria.
– Diz-me, marido. Tens uma solução de génio, dá pra ver – orgulhou-se Zumba.
– Liga-me já para o Caga-Milhões, em dois tempos ele resolve isto – gritou Sérgio Inocente.
– O daquele banco? Então não foi preso a semana passada? – estranhou a mulher.
-Não é esse, amor, outro Caga-Milhões, o mago do circo. Aquele que faz aparecer e desaparecer dólares, Euros, Reais, Kwanzas, Rands…
– Marido, ‘esse mais-é-quale’?
O autor escreve em PT Angola