Ao lado daqueles nossos primos, tios e avôs, muitos que hoje se autoproclamam humoristas fariam o papel de alguém que divulga notícia de óbito.
Os nossos familiares do mato, aos quais jocosamente tratávamos por poveanos, protagonizavam cenas que iam muito além do bizarro. E nós, os caluandas, adorávamos, mas não nos podíamos rir, porque eles não gostavam. Davam chapadas que deixavam marcas nas bochechas. Muitas vezes, as bofetadas eram substituídas por dolorosos cafriques, como aquele que me aplicaram quando espalhei no bairro a história de um tio que tinha matabichado pão com espuma, depois de confundir detergente em pó com um pacote de leite.
Reconheço que nem todos os muadiês do mato eram brutos. As mulheres, por exemplo, quando lhes estigávamos, em vez de nos bater, punham-se a chorar, como aquela minha tia que hoje é uma excelente professora de português. No vasto repertório da tia, consta o dia em que se recusou a comer massa, alegando que eram minhocas perigosas. A kota só aceitou comer massa depois de lhe mostrarem o pacote. E, mesmo assim, foi preciso levá-la à cozinha para presenciar o momento em que aqueles palitos castanhos eram atirados na panela com água temperada a ferver.
Contudo, parece-me justo frisar que nem todos os poveanos se entusiasmavam com Luanda. De facto, tirando o caso daquele meu primo que se intrigava por ver o Billy Drago ‘morrer’ num filme e voltar a ‘morrer’ num outro filme com o Chuck Norris, havia casos de familiares que se decepcionavam com a capital. Tinham ouvido falar que, em Luanda, não havia chão com areia: tudo era cimentado. Tinham-lhes contado também que, na famosa capital, havia energia eléctrica em todas as casas. Não faltou também quem perguntasse por aquela coisa doce e fresca que saía fumo, o gelado.
A estas frustrações, nós, os caluandas dos musseques, como um anjo arrogante que se dirige a um crente apressado em desvendar tudo o que existe no paraíso, respondíamos apenas:
“Você é mesmo poveano, ya! Aqui não se vê essas coisas, wê! Tens que ir na baixa. E a baixa fica longe: tens que apanhar autocarro!”
O autor escreve em PT Angola