De facto, embora ocupe um lugar de destaque na filosofia política contemporânea, sobretudo no debate sobre as questões da multiculturalidade, da cidadania e da justiça, não se verifica grande consenso relativamente ao seu alcance quando se trata de pensar uma sociedade com mais justiça social. Muitos autores têm chamado a atenção para a necessidade de estabelecer critérios relativamente às diferenças que será legítimo reconhecer. Por outro lado, há também quem acentue a insuficiência do reconhecimento se não estiver interligado com uma outra vertente, a da redistribuição.
Na verdade, reconhecimento e redistribuição correspondem a duas orientações distintas no campo político que podemos considerar como de emancipação. A redistribuição refere-se aos modos de acesso a bens e recursos e insere-se na tradição das organizações igualitárias, socialistas e trabalhistas. As relações entre as diferentes classes e entre países pobres e ricos são, nesta perspetiva, tratadas no sentido de conseguir uma maior igualdade no acesso aos bens por parte de todos, sobretudo dos mais desfavorecidos. O reconhecimento centrar-se-á sobretudo na afirmação da justa afirmação das minorias e de grupos tradicionalmente marginalizados por razões não propriamente económicas mas relativas às questões de género, de orientação sexual, etc. Aquilo que no jargão político habitualmente se designa como “causas fraturantes”.
A relação entre estas duas orientações nem sempre está em sintonia e, no campo filosófico, é muitas vezes colocada em oposição. Nesta polémica e em diálogo com A. Honneth (na década de 90), a posição de Nancy Fraser parece-me muito interessante pois rejeita a antítese e considera que a justiça é dual, demandando redistribuição mas também reconhecimento. Segundo a filósofa americana não se pode correr o risco de substituir as lutas pela redistribuição dos bens apenas por lutas por reconhecimento. Pelo contrário, é necessário articular a luta pela afirmação da diferença cultural com a luta pela igualdade social. Para além disso, contata-se que, frequentemente, as situações de injustiça requerem em simultâneo a redistribuição e o reconhecimento.
De algum modo, trata-se de articular a chamada política de classe, com objetivos igualitários na partilha dos recursos com a política de estatuto, que remete fundamentalmente para a questão da representação, da identidade e da diferença. O que está em causa é a possibilidade ou não de combinar normas de justiça, universalmente vinculativas e as práticas culturais, mais circunscritas e contextualizadas.
Dito de outro modo, lutar pela instituição de mecanismos económicos com vista a uma justa distribuição de recursos materiais é compatível com a luta por padrões culturais não discriminatórios que permitam a todos ter voz e igual respeito e consideração na vida social. Estas duas condições são necessárias, não sendo, nenhuma, por si só, suficiente. Como diz N. Fraser:
“A tarefa, em parte, é elaborar um conceito amplo de justiça que consiga acomodar tanto as reivindicações defensáveis de igualdade social quanto as reivindicações defensáveis de reconhecimento da diferença.” (FRASER, 2002)