Em qualquer direcção, horas a fio, em todos os eixos principais da cidade viam-se multidões compactas com o emblemático capucho cor-de-rosa (as instruções de fabrico foram colocadas on-line e não estavam à venda).
Alguns homens, mas uma esmagadora maioria de mulheres de todas as idades. Imensas jovens, mães de família e menos jovens, na esmagadora maioria de uma classe média que se pode encontrar em qualquer cidade americana, sem dúvida a maior manifestação que vi na minha vida, numa atmosfera de festa e de protesto por temas feministas mas também de outras temáticas políticas.
A manifestação foi também seguida em muitas outras cidades americanas, embora a da capital fosse a mais importante, e aquilo que mais me impressionou foi a relativa reduzida presença das chamadas minorias étnicas (vi, em proporção, mais gente de ascendência africana, asiática ou ameríndia no baile presidencial) tendo em conta o facto de Washington ser esmagadoramente uma cidade afro-americana com uma importante presença latino-americana.
A mensagem é a de uma progressiva polarização da sociedade por temas de carácter diverso que não é de forma alguma seguro por onde vão conduzir a sociedade americana e que impacto vão ter no mundo.
No meio de toda a diversidade, o que mais me impressiona é o opróbrio ou no mínimo desinteresse demonstrado pela opinião pública pela globalização. Um dos temas mais quentes na manifestação foi o protesto contra a discriminação dos emigrantes ou a construção do muro com o México, mas esse interesse não se reflectiu nem na presença de comunidades imigrantes nem no interesse dos manifestantes pela condição da mulher no resto do mundo, a começar nos países submetidos ao fanatismo muçulmano.
Este desinteresse é reflectido no outro lado do espectro político com o Presidente americano a fazer os mais bombásticos anúncios de políticas antiglobalização de que há memória.
A esse propósito, convém todavia lembrar que George W. Bush começou a sua presidência com um programa isolacionista, que mudou radicalmente – infelizmente na má direcção – com o 11 de Setembro, e que é bem possível que algo do mesmo género venha a acontecer também agora.
E por isso acho que o tempo é mais apropriado agora do que nunca para repensar a globalização em que vivemos. Há um enorme espaço político para repensar a globalização num sentido de participação e equidade social e de respeito ambiental, e é agora, que a nossa globalização gerida de uma forma estreita por uma oligarquia político-financeira está em crise aberta que ela pode ser pensada de forma diferente.