Assim Wole Soyinka descreve sua mais recente obra, “InterInventions”. O ensaísta e dramaturgo nigeriano, Prêmio Nobel de Literatura, visita o Brasil como convidado de honra em dois eventos gratuitos, que transformarão São Paulo em capital mundial da literatura por uma semana. Há escritores portugueses ilustre, como Teolinda Gersão, na agenda de debates.
Wole Soyinka foi o primeiro escritor africano a receber o Nobel de Literatura, em 1986. Ele tinha 52 anos, idade que pode ser considerada fim de carreira para os acomodados, convencionais, exaustos habitantes do planeta injustiça. Nem todos o habitam, há os que planam acima desta superfície, eternamente impunes. Não é o caso de Soyinka, seguramente um herói em luta cotidiana contra as adversidades, não apenas no próprio país e continente.
Quando Soyinka completou 80 anos – militância e obra literária a pleno vapor – ele ganhou um livro de ensaios em sua homenagem, no qual estudiosos — entre eles outros laureados pelo Nobel — analisaram seu papel na história e na literatura. Estava longe da aposentadoria, desaposentação ou o que for que todos pleiteiam nesta vida após uma folha corrida de bons serviços prestados à comunidade.
Nada contra aposentadoria, é um direito, mas aposentar-se da vida quando a vida continua e pode contar com nossa participação em favor de causas humanitárias, aí, sim, envelhecemos, nos retiramos do lugar ao sol ocupado nos anos verdes para uma sombra que pode espichar-se até nos apagar na memória dos vivos.
Em 2015, Soyinka completou 82 anos e comemorou duplamente: com o lançamento de um novo livro e de uma fundação (The Wole Soyinka Foundation) para escritores e artistas.
A fundação é um residencial onde os associados podem “retirar-se” por dias, semanas, meses, e trabalhar em novas obras, inspirados pelo companheirismo de outros escritores e pela tranquilidade de não precisar pensar em pagar as contas daquele mês. Virginia Woolf sacramentou: o escritor tem que ter um teto todo seu. Não é obrigatório, pode-se escrever em um porão ou prisão, mas quantos, entre os que escrevem clandestinamente, têm a sorte de ser descobertos e publicados? Certamente pouquíssimos.
No Brasil, um caso desses me vem à memória: Carolina Maria de Jesus, negra, pobre e escritora incansável, foi descoberta pelo jornalista Audálio Dantas durante uma reportagem na favela em que ela morava. Em 1958, Dantas fez a ponte de Carolina com o mundo, dali pra frente ela seguiu sozinha em direção à merecida fama e ao lugar que lhe coube na nossa literatura. A Fundação de Soyinka é uma ponte desse tipo e um pouco mais, porque, como símbolo institucional, ostenta a bandeira da escrita que não existe sem liberdade.
O próprio Soyinka, implacável com sua pena, teve de fugir algumas vezes do seu país para escapar à prisão, e, nos anos 1990, passou a residir quase que exclusivamente nos Estados Unidos. Deixou o coração na África, não só a real, mas a simbólica da injustiça dos tiranos contra a população. O ensaísta e dramaturgo reconhece que “enlouqueceria” se não tivesse encontrado um lugar sereno para esconder-se enquanto fazia seu trabalho criativo.
O novo livro, “InterInventions”, é mais do que guerreiro: “Ele vai tirar sangue e curar desejo de vingança. Relata uma odisseia pessoal na república dos mentirosos”, descreve o próprio autor. Acrescenta: “É o livro mais nojento que já escrevi. É tão verdadeiro que dói… é a minha vingança contra mentiras públicas. Não é um dos livros de borboleta. Não, não é um livro de borboleta. Eu quero tirar sangue (com ele). Aviso todos, se você tem sede de vingança, leia este livro e ficará bem. É como a medicina homeopática, terapêutico”, disse Soyinka.
Em recente cerimônia pública de homenagem, na sua terra natal, o escritor lamentou que as mentiras públicas tenham se tornado uma indústria, multiplicadas e agravadas pelos meios de comunicação sociais, que incitam a predisposição para mentiras.
Soyinka vem ao Brasil como convidado da Universidade Zumbi dos Palmares e da organização não governamental Afrobras, organizadores da Flinksampa (Festa do Conhecimento, Literatura e Cultura Negra). Ele ministrará uma palestra no sábado, às 16h, no Salão de Atos do Memorial da América Latina. E no domingo, às 10h, visita a universidade para um encontro com alunos, professores e funcionários. No domingo, o Nobel nigeriano recebe o Troféu Raça Negra 2015, na Sala São Paulo, juntamente com o compositor e escritor Martinho da Vila.
MAIS SOBRE O AUTOR:
“Sou eternamente grato por seu legado. Wole Soyinka tornou o mundo em um lugar inteligente.”
–Toni Morrison, Prêmio Nobel de Literatura, e Robert F. Goheen, Professor da Universidade de Princeton
“Ao devotar-se à luta contra a injustiça, Wole Soyinka foi muito além das palavras.”
-Nadine Gordimer, Prêmio Nobel de Literatura
“Como escritor e intelectual que denunciou a injustiça em diferentes partes do continente nos últimos 50 anos ou mais, Wole Soyinka se tornou a consciência democrática e moral da África”.
-Ngugi wa Thiong’o, Diretor do International Centre for Writing and Translation, Universidade da California, Irvine.
MAIS SOBRE OS EVENTOS:
Durante duas semanas, São Paulo sediará três grandes eventos literários. Esta semana, começam o primeiro Encontro Mundial da Invenção Literária (Emil) e a Flinksampa (Festa do Conhecimento, Literatura e Cultura Negra), que terão como principal convidado internacional o autor nigeriano Wole Soyinka, Prêmio Nobel de Literatura de 1986. Na próxima semana, terá início a Balada Literária, que homenageia, neste ano, a cineasta Suzana Amaral, diretora de “A hora da estrela” e “Hotel Atlântico”.
O Emil será inaugurado nesta quarta (11), com 200 horas de programação gratuita (saraus, contações de histórias, etc). A cerimônia de abertura, apenas para convidados, será às 19h, no Museu da Língua Portuguesa, com homenagens à Ruth Rocha e Mauricio de Sousa.
Entre os autores portugueses, estão Alberto S. Santos, Teolinda Gersão, autora de “Árvore das Palavras” e José Luís Peixoto, que escreveu os romances “Morreste-me” e “Cemitério de Pianos”.
Confira as participações dos portugueses na programação:
– Quinta-feira (12) – 16 horas – Livraria Cultura Shopping Bourbon
Diálogo literário (prosa) com os escritores: Nélson de Oliveira, Alberto S. Santos (Portugal)
– Sábado, dia 14 – 18 horas – Livraria Cultura Shopping Iguatemi
Diálogo literário (prosa) com os escritores: Teolinda Gersão (Portugal) e José Eduardo Agualusa (Angola)
– Domingo, dia 15 – 18 horas – Livraria Saraiva Shopping Higienópolis
Diálogo literário (prosa) com os escritores: José Luís Peixoto (Portugal) e Bernardo Ajzenberg (Brasil)
O público poderá acompanhar o evento a partir desta quinta-feira, pelo site.
A Flinksampa, também gratuita, começa na quinta-feira, às 19h, com a apresentação do Coral Zumbi dos Palmares e presença do homenageado do evento, o cantor, compositor e escritor Martinho da Vila. A terceira edição da festa tem como tema “Eu quero respirar!” e homenageará o cantor, compositor e escritor Martinho da Vila. Também gratuita, a programação diversificada inclui palestras, shows e atividades, como desfiles de moda, basquete, grafite e um seminário internacional.
A programação tem palestras, shows e atividades, além de desfiles de moda, grafite e seminário sobre preconceito racial, confira: http://www.flinksampa.com.br/index.php/programacao/programacao-2
Na próxima semana, entre os dias 18 e 22, a décima edição da Balada Literária, criada e organizada pelo escritor Marcelino Freire, mistura literatura, música, bate-papos e intervenções. A cineasta Suzana Amaral, diretora de “A Hora da Estrela”, baseado em romance homônimo de Clarice Lispector, será homenageada.
A programação, quase totalmente gratuita, será distribuída por dez pontos da cidade. A abertura, no dia 18, às 20h, no Auditório Ibirapuera, terá o show “Estado de poesia”, com Chico Cesar e participações de Marcélia Cartaxo e Roberta Estrala D’Alva. Para acessar a programação completa, basta acessar o site.
Nota: a autora escreve em português do Brasil