Toda a arte é divina. Talvez por isso o artista (o autor, o actor…) tenha um pé do lado de deus. E, quando esta metáfora é forma cabal dessa expressão, então temos artista. Porém, talvez se torne descabida qualquer tipo de elucidação a propósito desta palavra, pois ela é já explicação da explicação. Certo é que não se pode ser “quase” artista, autor, actor. Artista ou se é ou não se é. Só as obras poderão falar sobre a condição da sua arte.
Não obstante, o quadro pinta-se sozinho da mesma forma que o livro se escreve a si próprio. Ao artista apenas cabe estar ali. Ele é o veículo. Por tal razão não existe em si mesmo. Os materiais que ele usa são, apenas, a extensão do corpo (técnico), nunca da sua alma. O espírito – a arte – prevalece, exclusivamente, na conexão com o seu público. Ora acontece que a arte contemporânea não comunica. É de expressão livre, mas a sua observação não. Prova disso é que para ser compreendida tem de ser explicada.
Neste particular socorro-me de Aveline Lésper. “ A obsessão pedagógica, a necessidade de explicar cada obra, cada exposição gera a sobre-produção de textos que nada mais é do que uma encenação implícita de critérios, uma negação à experiência estética livre, uma sobre-intelectualização da obra para sobrevalorizá-la e impedir que a sua percepção seja exercida com naturalidade”. “ A arte contemporânea é endogâmica, elitista; com vocação segregacionista, é realizada para sua própria estrutura burocrática, favorecendo apenas às instituições e seus patrocinadores” [1].
Sei que os sentimentos brotam sem explicação, em total liberdade, etc… Porém sentir não é isento de conexão. Aqui ambas se tornam um só. Arte e comunicação.
Não há expressão artística sem comunicação fundada na sua dimensão mais elevada: a simplicidade. Comunicar é, e será sempre, isso mesmo: simplificar o mundo. Se complicar não comunica. Do mesmo modo, se a arte não comunica não é arte.
A necessidade de explicação de cada obra, a cada exposição, significa isso mesmo. A arte contemporânea torna-se iminentemente uma fraude ao exorcizar o público, expulsando-o do seu seio, transformando a arte em nada.
Conclusão. Na arte contemporânea a expressão é livre mas a sua apreciação não. Assim, para ser compreendida tem de ser explicada. A despeito de reclamar maior atenção e conhecimentos por parte de quem a contempla do que de quem a produz, menoriza o espectador, exigindo-lhe que a ela se submeta, ou a abandone para sempre. Surge deste modo a primeira ditadura da mediocridade na arte.
Tal será fácil de compreender por força do mercado da arte, representado pela figura do mecenas que se torna artista, fomentando o artista fantasiado de artista. E, um leão enjaulado é tudo menos um leão.