Desde aquela data, talvez por causa dos acontecimentos que se sucederam, quando me perguntam se o feitiço existe, respondo com um rebuscamento que causaria inveja aos políticos: talvez sim, talvez não.
Vivíamos num dos bairros mais conhecidos de Luanda. No quintal onde arrendávamos, além do nosso cubico, havia a casa do senhorio e a dum papoite fabricante e vendedor de micates que respondia pelo nome de Tex.
Como devem calcular, Tex era apenas um diminutivo. Um diminutivo que tanto podia ser de Teodoro como de Teófilo; de Terêncio como de Mateus. Por isso, qualquer semelhança com algum Tex que vocês conheçam não passará de mais uma coincidência.
Pois, como ia dizendo, o Tex era um kota bué sebem. Raramente se lembrava de cobrar os kilápis. Sempre que houvesse campanhas para ajudar deslocados de guerra, o Tex não dormia enquanto não tivesse uma banheira cheia de micates para doar. Como um gajo já andava na pré-cabunga, os meus pais me compravam um saquito de micates todos os dias. E o Tex, ignorando os perigos da falência, nunca se esquecia de dar esquebra.
Um dia, porém, o filho mais novo do senhorio adoeceu depois de comer micates. Em poucas horas, o rapaz passou da dor de cabeça para os vómitos. Aos vómitos, que já eram acompanhados de sangue, seguiu-se uma diarreia aguda, daquelas que saem sem dar cheiro.
No hospital, onde o rapaz viria a falecer, enquanto se aguardava pelo resultado das análises, o médico desconfiava que se tratasse de cólera. Na igreja, no entanto, o pastor não tinha dúvidas: era feitiço, ou melhor, era feitiçaria do Tex, o micateiro.
Pela velocidade com que Tex babulou do bairro, descalço e descamisado, com pedras e paneladas a lhe roçarem o nguimbo, Usain Bolt teria de nascer mil vezes para derrotar o homem dos micates numa corrida.
Nunca mais se falou do Tex. Como anda agora o kota? Continua a fabricar os mesmos micates do tempo da guerra ou anda de babulo em babulo por causa dos pastores-adivinhadores? Também não sei!
Aliás, como diria Dostoiévski, isso é já o princípio de uma nova história, da transformação de um homem, da confrontação com uma nova realidade, de todo desconhecida. Tema talvez para um novo ‘Cronicontando’, porque este sobre a feitiçaria termina aqui.
O autor escreve em PT Angola