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Terça-feira, Dezembro 24, 2024

Guerra e Paz nos textos “sagrados”, um debate

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Colaboração do Núcleo de Investigação Nelson Mandela – Estudos do Humanismo e de Reflexão para a Paz (integrado na área de Ciência das Religiões da U.L.H.T.)

Diálogo Inter-religioso e Cultural na estrada, como ferramenta de Cidadania

O Alcorão é um «código de vida» para os muçulmanos, mas «tem de ser visto como um todo e não se deve retirar o texto do contexto». A advertência foi feita pelo imã da Mesquita Central de Lisboa, na conferência Livros Sagrados: Leituras de Guerra ou de Paz?, no âmbito do Roteiro do Diálogo Inter-religioso e Cultural, que começou esta quarta-feira, dia 22 de fevereiro, em Coimbra.

O Xeque David Munir explica que, na língua árabe, «uma palavra pode significar uma coisa e o seu oposto», que o conceito de jihad remete para uma dimensão interior, de confronto com as imperfeições pessoais e que o «Alcorão não apela à guerra, mas à justiça», pelo que «não se pode pegar num versículo e declarar guerra em nome de Deus».

Isabel Allegro Magalhães sugeriu que se dê «um desconto aos textos “sagrados” que falam de guerra» porque têm um contexto humano e cultural. «Há limitações humanas que perpassam todos os textos e os apelos à guerra e à violência são comuns a todos os textos “sagrados”», sustenta a professora de Literatura Comparada e membro do Graal – movimento internacional de mulheres cristãs empenhadas na procura da Paz e da Justiça –, acrescentando que «não há textos unívocos, com uma só leitura, um sujeito que lê… interpreta».

O professor de Filosofia e História das Ideias, Rui Lomelino de Freitas, lembrou que «os discursos “sagrados” de “luta contra o mal” não se encontram apenas no mundo islâmico». Coordenador do projeto Religiões do Mundo – proposta pedagógica da ULHT para as escolas –, Rui Lomelino de Freitas recordou que «outros textos religiosos da antiguidade, como os gnósticos, revelam que a guerra pode trazer a Paz, mas uma guerra contra “as sombras” que cada um tem, as imperfeições pessoais, à semelhança do posterior conceito de jihad» no Islão.

«Só se chega ao Absoluto de forma indireta, como o vento só se vê quando mexe uma árvore», enfatizou Isabel Allegro Magalhães, constatando que os «textos “sagrados” não são a voz de Deus, mas de pessoas que pressentem na vida outra dimensão, estão por isso contaminados pela cultura, pela época». Sendo «inspirados, têm marca humana».

«Como outros textos», diz Joaquim Franco, um dos organizadores deste Roteiro do Diálogo Inter-religioso e Cultural, «também as narrativas do “sagrado” pode constituir dramas de interpretação». Para o jornalista, professor de Media e Religião na ULHT e coordenador do Observatório para a Liberdade Religiosa, «é legítimo olhar para os textos “sagrados” apenas como referências literárias e reconstruir narrativas ou fazer interpretações livres, à semelhança do que fez, por exemplo, José Saramago», mas, entre quem os escreveu e quem hoje os lê «há todo um contexto de diferenças milenares e circunstâncias históricas que implica prudência e conhecimento para evitar equívocos».

Foi com preocupações deste género que se organizou este Roteiro, cuja primeira conferência foi acolhida do Pequeno Auditório do Conservatório de Música de Coimbra. O diretor Manuel Rocha felicita a iniciativa, reconhece o «inegável conteúdo civilizacional» das religiões e admite haver «um problema grande de desconhecimento do texto e do contexto da literatura religiosa», que também é uma «entidade estética»

Há que «regressar aos textos, afinal, o que é a verdade?», questiona Manuel Rocha, ensaiando uma resposta: «A verdade é a própria diversidade dos textos». Rui Lomelino de Freitas enquadra filosoficamente a ideia: «se estou convencido que tenho a Verdade, a minha tolerância tem sempre limitações.»

O Roteiro do Diálogo Inter-religioso e Cultural tem como pano de fundo a Liberdade Religiosa, que o Xeque David Munir enaltece: «posso falar mais à vontade em Portugal sobre religião do que em certos países muçulmanos». Sem adiantar explicações, registando apenas a coincidência, o imã de Lisboa revela que tem «recebido mais pedidos para visitar a mesquita depois da eleição de Donald Trump».

Joaquim Franco explica que se pretende «levar a vários públicos – sobretudo às novas gerações – e zonas do país, ferramentas essenciais para um conhecimento da Religião e das religiões», promovendo-se assim «a arte de pensar com o diferente e interpretar a diferença religiosa».

As lideranças religiosas em Portugal são sensíveis a este trabalho, realça o também investigador em Ciência das Religiões na ULHT, «elas próprias estão empenhadas no diálogo ecuménico e inter-religioso, por isso Portugal é um caso exemplar de sã convivência religiosa», mas «prevalece, também por influência mediática, o preconceito e a confusão».

A investigadora Mariana Vital, do Observatório para a Liberdade Religiosa e também organizadora do Roteiro, acrescenta que há ainda a intenção de abordar a «inevitabilidade de um encontro/confronto do pensamento religioso com o paradigma das diferenças sociais e da diversidade», facilitando uma Cidadania integrada, integradora e ativa.

«Há que parar e pensar para discernir e desenvolver a Cidadania», defende Sandra Silvestre, do Roteiro Cidadania em Portugal, projeto promovido pela ANIMAR (Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Local), em parceria com o Gabinete da Secretária de Estado da Cidadania e Igualdade, ao qual se acrescenta agora, paralelamente, a abordagem ao fenómeno religioso, enquadrando a diversidade religiosa, promovendo o Respeito através do Conhecimento e do Diálogo.

O Roteiro do Diálogo Inter-religioso e Cultural, promovido pela Área de Ciência das Religiões da ULHT, com o Observatório para a Liberdade Religiosa – numa iniciativa da Kaningana wa Kaningana – é apoiado pelo Gabinete da Secretária de Estado da Cidadania e Igualdade e prevê ações em bibliotecas escolares e noutras instituições/associações interessadas, conferências e debates, em vários municípios.

Depois de Coimbra, o Roteiro do Diálogo Inter-religioso e Cultural prevê passar por Carregal do Sal e Nelas (11 a 17 de março), Torres Vedras (3 a 5 de abril), Fafe (6 a 8 de abril, no âmbito do evento Terra Justa), Portalegre (17 a 21 de abril), Beja (17 a 19 de maio) e Tomar (22 a 24 de maio), cruzando-se nalgumas ocasiões com o Roteiro Cidadania em Portugal – Parar, Pensar, Agir, que, através de uma carrinha com materiais didáticos, está a percorrer o país com o objetivo de promover o diálogo e a partilha de experiências sobre a Cidadania e a Igualdade.

Por opção do autor, este artigo respeita o AO90

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