Esta modificação agora aprovada, não só peca por tardia como não vai no sentido de corresponder a exigência de mais eficácia na luta contra o racismo e melhor protecção das vítimas.
Segundo notícias vindas a público, o Governo terá aprovado, no dia 09 de Fevereiro, em Conselho de Ministros, alterações ao quadro jurídico sobre discriminação racial, nomeadamente, a Lei nº 134/99, de 28 de Agosto, o Decreto-Lei nº 111/2000, de 4 de Julho (que «regulamenta» a lei anterior) e a Lei nº 18/2004, de 11 de Maio.
Na perspectiva da organização SOS Racismo, “Estas alterações são, desde há muito tempo, exigência do movimento social e das vítimas de racismo na nossa sociedade. Pois, quase duas décadas depois da sua implementação, a actual lei contra a discriminação racial revelou-se insuficiente, ineficaz e completamente desadequada com a realidade. A ineficácia da lei e dos instrumentos da sua aplicação, nomeadamente, a inoperância da Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial – CICDR, favoreceram a impunidade que grassa na sociedade e nas instituições”.
No documento de análise que a SOS Racismo produziu e difundiu, pode ainda ler-se:
”Esta modificação agora aprovada, não só peca por tardia como não vai no sentido de corresponder a exigência de mais eficácia na luta contra o racismo e melhor protecção das vítimas. O Alto Comissário para as Migrações e o Governo perderam a oportunidade de ir mais longe nestas alterações agora introduzidas e, de facto, falharam na forma e no conteúdo.
Quanto à forma, convém referir que estas alterações não foram objecto de discussão pública ampla na sociedade, fora dos circuitos institucionais, nem a sociedade civil nem as vítimas puderam dar o seu contributo no âmbito de uma discussão mais alargada, como era desejável. Ou seja, mais uma vez vamos ter uma lei que não contempla a opinião nem da sociedade civil nem das vítimas, quando o próprio governo, pela voz da Secretaria do Estado para a Cidadania e a Igualdade havia prometido uma discussão pública ampla.
No que diz respeito ao conteúdo, as alterações agora propostas não representam o avanço desejado pois não vão no sentido da criminalização do racismo que, do nosso ponto de vista, é o caminho para uma maior capacidade dissuasiva e uma efectiva protecção das vítimas. Os supostos avanços de que se fala quanto ao reforço dos poderes da Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial – CICDR estão, bem pelo contrário, ao arrepio do que recomenda a “Directiva Raça” , nomeadamente, no que respeita à sua independência.
Na verdade, a evolução do Direito das «contraordenações» entre nós não pôs em causa a diferença, ao menos, da «relevância social» de crimes e «contraordenações» e a discriminação racial não é uma questão de «mera» (des)«ordenação social», mas uma questão moral fundamental na cultura do nosso tempo. Se a isso se juntar a necessidade que há, no Direito Penal, de enunciar os tipos normativos com precisão, determinação e segurança, compreender-se- á com certeza esta proposta: a de que se aproveite grande parte do conjunto das normas que actualmente enunciam «contraordenações» de racismo para densificar previsões criminais ou penais típicas que permitam tutelar a discriminação racial mesmo para além dos limites da respectiva associação com a violência, tal como previsto no código penal. Em suma: não às «contraordenações» de racismo e sim ao aproveitamento de vários dos seus elementos normativos para criar uma tutela penal mais completa no combate cultural e civilizacional contra a discriminação racial.
O SOS não deixa de dar o seu contributo para este debate voltando à proposta que apresentámos já há 21 anos, que defendia explicitamente a criminalização do racismo. Prosseguiremos com este debate com a apresentação do livro “Racismo e Discriminação: a impunidade está na lei” no próximo dia 22 na Assembleia da República.”