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Terça-feira, Dezembro 24, 2024

IMI excessivo e politica de habitação ausente

O subdesenvolvimento pode definir-se através de três caraterísticas. Empresas estrangeiras que controlam o essencial da economia; capitalistas autóctones entregues a atividades de menor rendabilidade e dependentes de baixos salários; um regime político oligárquico que, mesmo quando adornado com leis e eleições, funciona na base da excepção, da manipulação e da repressão, aplicadas por aparelhos de estado ávidos agentes da punção fiscal.

O artº 65 da Constituição Portuguesa define muito claramente que incumbe ao Estado “programar e executar uma política de habitação inserida em planos de ordenamento geral do território e apoiada em planos de urbanização que garantam a existência de uma rede adequada de transportes e de equipamento social”; e promover…a construção de habitações económicas e sociais, entre outros compromissos colocados ao governo central, aos regionais e às autarquias.

A classe política desprezou completamente a Constituição no capítulo do urbanismo e da habitação, subordinando esses assuntos essenciais na vida de todos, às conveniências do mercado; mas, não se dispensando de onerar a população com um tal IMI – Imposto Municipal sobre o Imobiliário. E, daí que tenha promovido soluções individualizadas para as famílias, entaladas entre a ganância dos bancos, a especulação ou a má qualidade dos equipamentos promovidos por imobiliárias e construtores.

Uma santa aliança

Nos anos 80/90 os bancos viram limitadas as suas possibilidades de concessão de crédito junto das empresas, mormente industriais, cujas instalações já lhes estavam dadas como garantias. E descobriram que as famílias tinham uma boa capacidade de criação de poupança, mesmo num contexto de baixos rendimentos relativos. Assim surgiu o mercado como panaceia para a solução de uma das necessidades básicas de toda a gente – a habitação.

Tornava-se necessário encontrar empreendedores imobiliários, sabendo-se que a compra e venda de terrenos e casas não é difícil numa conjuntura favorável, desde que se gere a especulação conveniente para acelerar o processo; e muitos industriais reciclaram-se no imobiliário. Arranjar trolhas convertidos em construtores também seria fácil, bastando ter umas betoneiras e mão-de obra africana ou de Leste, clandestina e mansa.

Um terceiro elemento seriam os executivos autárquicos desejosos de mostrar obra e que vieram a facilitar as urbanizações de solos agrícolas, ao arrepio de qualquer planeamento. Quem circular, por exemplo, pelo interior do concelho de Oeiras pode observar uma amálgama de terrenos baldios, edifícios empresariais e núcleos residenciais.

Como não há almoços grátis, toda esta engrenagem ficava dependente, na raiz, da boa vontade de autarcas compreensivos desde que houvesse proveitos para os próprios ou para os respetivos partidos.

Como acabou esta volúpia, é uma conhecida e dolorosa estória. Como os bancos, esgotadas as poupanças lusas, se vinham abastecendo de capitais no exterior, quando esse canal fechou, na sequência da crise de 2008, veio o descalabro, selado pelas sábias palavras de Carlos Costa, o (ainda) governador do Banco de Portugal, numa reunião com os banqueiros dia 4/4/2011 às 10.30 – “Vocês não podem continuar a financiar (as emissões de divida pública). O risco é afundarem-se os bancos, a parte sã, e a República que é a parte que criou o problema”.

A ilegitimidade de um IMI sobre a habitação

Ao desenvencilhar-se da obrigação constitucional, o Estado e os seus sucessivos ocupantes aos vários níveis, endividaram as famílias, oneraram-nas com juros para toda a vida e são intratáveis nas operações de despejo de quem não poder pagar as prestações na sequência de desemprego; este, entretanto, facilitado pelas regras que o mesmo Estado impõe.

Não houve procura de escala, de menores custos obtidos pela satisfação das necessidades de habitação através de entidades coletivas; uma política que poderia ter evitado o recurso à compra de habitação, à amarração a uma dívida eterna e que facilitaria a mobilidade; mas… que enriqueceria menos o sector financeiro, os empreendedores imobiliários e autarcas corruptos.

A satisfação da avidez das oligarquias faz-se com a incidência de impostos sobre o rendimento, sobre transmissões/transações e sobre a propriedade/capital. Em Portugal o IMI, com o IUC, são os únicos impostos sobre a propriedade, uma vez que títulos, ouro ou depósitos são tributados apenas pelos rendimentos relacionados, se existirem.

Um imposto é legítimo se dele resulta aplicação em bem-estar da população e se é visível equidade na sua distribuição pela sociedade; se isso não acontece, não se fala em tributação mas, de predação.

Todos percebem que há uma ligação entre os serviços prestados por escolas, hospitais e ação social, tal como a necessidade de abastecer a Segurança Social e, de pagar impostos para aqueles fins. Muito menos justificáveis, em termos de bem-estar são os gastos com as forças armadas ou, no capítulo da legitimidade, a dívida pública gerada a favor do sistema financeiro. Quanto à equidade, o IVA é um caso conhecido onde a mesma não existe.

No caso da habitação, o Estado, na sua globalidade não investiu, nem investe nada de relevante, arrogando-se ao direito de lhe aplicar um imposto, como se aquela fosse tão supérflua como os refrigerantes ou nociva como o tabaco. Como se a habitação a que as famílias foram obrigadas a comprar seja, de facto, um capital acumulado e menos um instrumento de satisfação de necessidade elementar. Por outro lado, mesmo havendo em muitos casos hipoteca bancária e parte do empréstimo em dívida, o IMI incide sobre a totalidade do valor patrimonial atribuído pela AT e é totalmente da responsabilidade do onerado proprietário; mesmo pela parcela que ainda não pagou. Se tiver dificuldades, o banco apodera-se do imóvel e o Estado avança com penhoras; se o banco tiver dificuldades, irmanado com a classe política, impõem os custos do resgate à população. Dizem que vivemos em… democracia.

A predação

O IMI, é um expediente da classe política para angariar fundos sobre a grande maioria da população, deixando de fora os imóveis do Estado central, dos regionais e das autarquias, suas associações e federações, sabendo-se que a Autoridade Tributária retém 5% da receita de IMI, por conta dos encargos administrativos e de cobrança. Ficam isentos as associações ou organizações religiosas; as associações sindicais, patronais e de profissionais liberais; as pessoas coletivas de utilidade pública, as IPSS e equiparadas; as empresas não financeiras instaladas nas zonas francas da Madeira ou de Santa Maria; os estabelecimentos de ensino particular e as associações desportivas, bem como colectividades de cultura e recreio, ONG e outro tipo de associações não lucrativas desde que utilidade pública.

Para além das piedosas isenções descritas no parágrafo anterior há ainda a considerar aquelas que, de facto, têm um caráter social e que se dirigem a habitações a que a AT atribui um valor  patrimonial inferior a 10 anos de IAS (Indexante dos Apoios Sociais [€ 421,32 em 2017]), e na qual os seus proprietários (se as habitarem) tenham um rendimento anual inferior a 2,3 vezes o valor anual do referido IAS.

Concretamente, fica-se isento se o rendimento familiar for superior a €969 mensais e o valor patrimonial acima de € 58.985. A habilidade fiscal pode ser exemplificada através de um caso concreto, uma vez que sobre o património imobiliário gerido pela AT não há informação estatística. Uma casa concreta avaliada em 2006 em € 19.800 foi, sete anos depois reavaliada em € 89.000 o que, em época de quebra dos preços no imobiliário é, no mínimo um acto revelador de uma pulsão predatória, visando aumentar substancialmente a receita de IMI e, simultaneamente, reduzir na mesma proporção, o número de isenções.

No gráfico que se segue, a evolução dos salários e dos rendimentos familiares revela uma tendência para a estagnação, que a crise e a troika vieram consolidar, consolidando também em Portugal uma região periférica onde, historicamente, ancora um capitalismo atrasado, dependente de baixos salários.

A evolução da receita de IMI revela a necessidade de abastecimento financeiro de autarquias onde confluem os interesses das estruturas partidárias e das famílias locais que preenchem os quadros autárquicos, perante uma população afastada de qualquer poder de decisão. Uma situação que replica o caciquismo já anterior à I República com uma diferença; o analfabetismo da população foi substituído pela iliteracia.

Sem prejuízo da construção de um sistema fiscal mais simples e eficaz, sem a miríade de “taxas e taxinhas” que arrastam consigo uma pesada e kafkiana burocracia, entende-se que um IMI fará sentido nas situações em que:

  • os imóveis não se destinem a habitação;
  • os imóveis se destinem a habitação de terceiros que não os seus proprietários ou, forem considerados de luxo, neste caso, em qualquer circunstância;
  • constituam segundas habitações, qualquer que seja o seu valor;
  • os prédios estejam abandonados, devolutos ou arruinados, nesse caso, com taxas substancialmente agravadas, tendo a expropriação como cenário final, ao fim de certo número de anos.

Vitor Lima, Economista

As opiniões expressas nos artigos de Opinião apenas vinculam os respectivos autores.

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