É patente que o capitalismo selvagem global (e não apenas o mundo do trabalho) está a aproximar-se rapidamente de situações-limite em diversos países, incluindo alguns dos mais desenvolvidos. Com esta constatação, pretendo significar que o próprio modelo de expansão infinita está já a encontrar cada vez mais impossibilidades de continuar o caminho que vem seguindo até aqui.
As elites globais estão bem conscientes destes problemas e têm vindo a prosseguir vias tendentes a cristalizar certos modos de produção e certas actividades económicas, blindando-as e protegendo-as da também crescente exasperação dos povos perante o crescendo dos ataques dessas companhias aos direitos fundamentais, ao ambiente e ao clima.
De entre os mecanismos encontrados por essas elites para consolidar os seus lucros, salientamos as instâncias globais como a OMC, o FMI e o Banco Mundial. A um nível mais regional emergem os tratados que designamos por “corporativos”; acordos fomentados por e para a grandes corporações transnacionais.
O primeiro destes tratados foi o NAFTA implementado há 20 anos, entre o México, os EUA e o Canadá. O segundo foi o TPP, conhecido por Transpacífico que envolve uma dúzia de países do anel do Pacífico e que Trump acaba de abandonar antes da sua entrada em vigor. Um outro foi o TTIP, conhecido por Transatlântico entre os EUA e a UE, ainda não concluído. Um quarto, o CETA entre a UE e o Canadá, foi concluído no ano passado e aprovado no passado mês de Fevereiro no Parlamento Europeu. Um quinto, o TISA, que abrange 50 países e se foca apenas nos serviços, está a ser negociado no maior secretismo, mas sabe-se que irá mais longe que os outros na privatização de todos os activos públicos, entre outras disposições.
No CETA, tudo o que seja direitos das empresas está perfeitamente codificado e apoiado por mecanismos de aplicação coerciva, sobretudo o tristemente famoso mecanismo de resolução de litígios de investimento, o International Court System (ICS), que tem despertado a maior oposição entre os cidadãos de toda a Europa e de muitas associações e instituições da sociedade civil.
O governo português que reverteu a privatização dos transportes de Lisboa e inviabilizou alguns contratos de exploração petrolífera no Algarve, só o conseguiu fazer porque o CETA ainda não entrou em vigor. Se vigorasse, o país arriscar-se-ia a pagar elevadas indemnizações às companhias por “lucros cessantes”.
O mesmo se diga do aumento do salário mínimo, do imposto sobre refrigerantes, da renacionalização da água em alguns municípios, entre outros exemplos. A aprovação do CETA, tratado apresentado como muito “progressivo” e até o modelo para futuros acordos, é de facto um imenso passo atrás no campo da justiça climática, da protecção do ambiente e da saúde pública, das normas laborais, do estado de direito, do comércio justo e até da cidadania e da democracia, valores estruturantes de uma sociedade desenvolvida e solidária.
Só podemos lamentar que o Partido Socialista e o seu governo estejam apostados em ignorar as graves ameaças que o CETA representa para a débil economia portuguesa e tenham decidido aprovar o tratado ainda antes de o conhecerem (refiro-me ao programa do partido, aprovado no último congresso).
José Oliveira, activista da Plataforma Não aos Tratados Transatlânticos
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