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Sexta-feira, Agosto 23, 2024

Almaraz, TAP, Estaleiros Navais de Viana do Castelo, Justiça Penal e Offshores

António Garcia Pereira
António Garcia Pereira
Advogado, especialista em Direito do Trabalho e Professor Universitário

Almaraz, TAP, Estaleiros Navais de Viana do Castelo, Justiça Penal e Offshores. O que têm em comum?

À primeira vista nada existe de comum entre estes casos e questões, aparentemente tão díspares.

Mas se não ligarmos à superficialidade das parangonas de jornais e telejornais e formos olhar com mais atenção para aquilo por que eles se caracterizam, encontramos, na realidade, um tão quase inacreditável quanto reprovável fio condutor comum.

Almaraz

Perante as denúncias de organizações ambientalistas e das próprias populações, o Governo de António Costa fez uma verdadeira “entrada de leão” para depois levar a efeito uma autêntica e lastimável “saída de sendeiro”. Com efeito, perante a (como habitualmente) unilateral decisão do Governo espanhol de construir, na zona da Central nuclear de Almaraz e como um seu prolongamento, um armazém de resíduos radioactivos, o dito Governo de Costa vociferou “para português ver” e solenemente anunciou a apresentação de uma queixa contra Espanha junto da Comissão Europeia, designadamente por a decisão não ter sido precedida de qualquer estudo de impactos ambientais, transfronteiriços.

Poucos dias depois, porém, e depois de Castela ter rilhado os dentes, o ministro português do Ambiente logo veio anunciar a retirada da dita queixa a troco – pasme-se! – da simples promessa espanhola de não tomar decisões “até que as autoridades portuguesas tenham analisado as informações pertinentes”.

O que já era então evidente, ou seja, a completa cedência do Governo português aos interesses e às pressões do Governo espanhol, tornou-se agora completamente óbvio, com as recentíssimas declarações da Ministra do Ambiente espanhol, reafirmando que a referida construção vai mesmo ser executada, simplesmente porque… as autoridades espanholas entendem que ela “é uma prioridade para Espanha” e “não tem impactos ambientais para Portugal”!

TAP

Em entrevista dada no passado dia 25 de Fevereiro, o Governo de Costa, agora através do seu Ministro do Planeamento e das Infra-estruturas Pedro Marques, assegurou a manutenção da privatização da TAP (mesmo com 50% do capital para o Estado que, porém, nada decide quanto à respectiva gestão e serve é de garante dos financiamentos bancários). Isto, ao mesmo tempo que a investigação criminal relativa a esse processo de privatização jaz nos habituais corredores do Ministério Público. E também se sabe que aquilo que foi, e é, um desastre para os interesses estratégicos do nosso País, foi, e é, um grande negócio para o verdadeiro “dono” da TAP (o Sr. David Neeleman, travestido de Atlantic Gateway) e para a sua então praticamente falida empresa Azul.

Na verdade, desde que a TAP foi dada de mão beijada à Azul, esta – que em Setembro de 2015 estava em situação de falência técnica – forneceu à mesma TAP, em regime de leasing e a preços de mercado (400 milhões de euros), 8 aviões ATR52 e 9 aviões Embraer que estavam parados no Brasil. Isto, quando há um ano atrás os prejuízos acumulados da dita Azul eram da ordem dos 60 milhões de euros, o que a iria obrigar a devolver 20 aviões da sua frota, que não conseguia pagar. Consumada, porém, esta negociata com a TAP, eis que a Azul diminuiu em 90% os seus prejuízos. Mais! Entretanto, a mesma Azul passou a operar em rotas do Brasil que a TAP abandonou. E mesmo a prática de code-share TAP/Azul irá permitir que, por exemplo, a viagem Lisboa-Manaus seja feita em 2 tranches, uma entre Lisboa e Belém operada pela TAP e outra entre Belém e Manaus, esta atribuída à Azul. E ainda vamos decerto assistir à abdicação de mais voos por parte da TAP em favor da Azul, que agora até já anunciou no Brasil que vai aumentar os seus voos para Portugal de 5 para 7 por semana.

E entretanto o que faz o Governo do Sr. Costa? Chancela e ratifica a negociata! E o que faz o Ministério Público ao fim de um ano e meio de inquérito? Mantém que “estão em curso investigações”! Até quando? Não se sabe, porque (ao contrário do que sucede com os cidadãos comuns, sejam eles queixosos ou arguidos) para o Ministério Público, os prazos são “indicativos e meramente ordenadores da marcha do processo”, pelo que, onde a lei (o artº 276º, nº 3, al. c) do Código do Processo Penal) estabelece que o prazo máximo (sic) do inquérito é de 18 meses (e isto já apenas para os casos de alta complexidade), se afinal demorar 180 meses, rigorosamente nada acontece!…

Mas mesmo quando chega ao fim, e se o procedimento criminal não prescrever entretanto, neste tipo de casos o que mais “normalmente” pode suceder é o seu arquivamento.

Estaleiros Navais de Viana do Castelo

Todo o escandaloso processo da construção pelos Estaleiros Navais de Viana do Castelo dos navios Atlântida e Anticiclone (sendo que este não chegou sequer a ser construído) custou 70 milhões de euros ao Estado e o mesmíssimo Ministério Público arquivou o respectivo processo-crime, considerando “brilhantemente” que os administradores dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo intervenientes e responsáveis por este autêntico escândalo não tinham afinal cometido qualquer crime, designadamente de administração danosa, apenas e tão só porque… “não percebiam nada de construção naval”!?

Note-se que não se está aqui a falar do autêntico caso de polícia que foi a deliberada destruição de uma empresa estratégica como os ENVC – Estaleiros Navais de Viana do Castelo e o despedimento dos seus 600 trabalhadores e a entrega, mais uma vez ao completo desbarato, das suas instalações e dos seus equipamentos ao ultra-falido (e beneficiário de empréstimos do BES) Grupo Martifer, através de uma empresa chamada West-Sea, processo este que, uma vez mais e sem prazo à vista, jaz nos mesmíssimos corredores do mesmíssimo Ministério Público…

Trata-se, isso sim, do caso da venda de um navio (o ferry “Atlântida”) avaliado em 29 milhões de euros nas contas da Empresa de 2012, e que foi vendido em Julho de 2014 por 8,75 milhões de euros à empresa Douro Azul, do empresário Mário Silva, o qual, escassos meses depois, o logrou revendê-lo a uma empresa norueguesa sensivelmente pelo dobro daquele valor, ou seja, por 17 milhões de euros!

Justiça Penal

E o que faz o Ministério Público? O tal que se proclama “dono” do processo penal na fase do inquérito (como ainda recentemente vimos o ex-Presidente do seu Sindicato afirmar publicamente num programa televisivo) e a quem, por isso mesmo, de todo não convêm decisões como a do recente Acórdão da Relação de Lisboa considerando que não é assim e que a actuação do  Ministério Público tem de estar sujeita a controle, desde logo pelo juiz de instrução criminal (decisão essa noticiada em 1ª mão pelo jornal “Tornado” e totalmente abafada pela imprensa dita de referência…)? Sim, o que faz esse mesmo Ministério Público? Conclui que os administradores responsáveis por estas ruinosas negociatas, coitados, eram uns ignorantes destas matérias de construção naval, que não tinham consciência do que andavam a fazer e, por isso, não podem ser criminalmente responsabilizados!?

Fecha-se, pois, o círculo

O que é crime do ponto de vista jurídico arrasta-se, prescreve ou arquiva-se (designadamente com base nessa espantosa teoria da falta de prova da consciência da ilicitude, que nunca ilibou nenhum pilha-galinhas mas que, por exemplo, ilibou o actual Presidente do Sindicato do Ministério Público por uma série de atoardas que proferiu sobre o processo de Sócrates). E o que é crime de natureza política, por atentar contra os interesses vitais do País e os direitos mais básicos dos cidadãos portugueses, é para manter e ratificar (das leis laborais da Tróica e penalizações das reformas antecipadas, por exemplo, à privatização e destruição dos ENVC e da TAP).

Offshores

Por isso mesmo, não se está mesmo já a ver que, para as investigações que a Procuradoria Geral da República logo veio anunciar estarem a decorrer, o “pobre” do Dr. Paulo Núncio, advogado, especialista em Direito Fiscal e em consultadoria e aconselhamento nessa área, afinal, quando foi para Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, “não tinha consciência” da ilicitude quer das operações de engenharia fiscal que se fazem através das offshores quer da não declaração ao Fisco da “bagatela” de 10 mil milhões de euros?!

Afinal, a verdadeira raiz da corrupção reside na circunstância de os partidos políticos do Poder de cada momento acharem que esse Poder e os cargos, tachos e benesses que ele propicia são “propriedade” sua e disponível para ser distribuída por amigos e apoiantes.

 

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