Para nortear posições, a leitura de livros como As Cruzadas Vistas pelos Árabes de Amin Maalouf, escritor franco-libanês, deviam ser hoje obrigatórias para a cultura geral dos ocidentais – cultura que, aliás, anda de rastos, pelo que deixa antever como, em breve, pagaremos caro toda a nossa ignorância e desinteresse.
Por estes dias, em que o rei Salman bin Abdelaziz inicia a primeira visita oficial de um monarca da Arábia Saudita à Indonésia (onde vive a maior população muçulmana do planeta) em quase 50 anos, fazendo-se acompanhar de uma comitiva de mil pessoas e de 460 toneladas de bagagem (com carros de luxo, elevadores, escada rolante dourada e comitiva com 150 chefes de cozinha), pesquisar memórias históricas e procurar entender os graves conflitos que têm oposto o médio oriente ao ocidente e vice-versa, parece-nos boa tarefa de reflexão.
A história regista que, entre os séculos XI e XIII, da era corrente, sob iniciativa papal, vários movimentos militares partiram da Europa Ocidental, com maior ou menor mobilização, tendo em vista chegar à Palestina (zona geográfica vasta do Médio Oriente que os cristãos designavam como Terra Santa), parte de um objetivo maior: a tomada da cidade de Jerusalém.
Localizada num planalto nas montanhas da Judeia entre o Mediterrâneo e o mar Morto, Jerusalém é uma das cidades mais antigas do mundo, considerada sagrada pelas três principais religiões abraâmicas — judaísmo, cristianismo e islamismo. Segundo a tradição bíblica, o rei Davi conquistou a cidade dos jebuseus e estabeleceu-a como a capital do Reino Unido de Israel, enquanto o seu filho, o rei Salomão, encomendou a construção do Primeiro Templo. Para os cristãos e pelo relato do Novo Testamento, foi ali a crucificação de Jesus. Para o islão sunita, a cidade é o terceiro lugar mais sagrado do mundo, depois de Meca e Medina, na Arábia Saudita — pois é onde Maomé fez a sua viagem noturna, quando teria ascendido aos céus e falado com Deus, de acordo com o Alcorão.
O domínio dos turcos seljúcidas sobre a Palestina constituía uma ameaça para os cristãos do Ocidente – e uma forma de repressão sobre os peregrinos e para os cristãos do Oriente que se deslocavam à Terra Santa.
Em 27 de janeiro de 1095, no concílio de Clermont, o papa Urbano II desafiou os nobres franceses a “libertar” a Terra Santa e a colocar Jerusalém sob soberania cristã; a expedição militar seria uma forma de penitência.
Assim começavam as cruzadas
O agir em nome da Cruz, empunhando-a como símbolo máximo, usando-a nas roupas como sinal distintivo, acabou por generalizar o nome Cruzado, o “soldado de Cristo”. Já no século IX fora declarado que os guerreiros mortos em combate contra os muçulmanos na Sicília mereciam a salvação. Assim, a todos os Cruzados era conferida uma quase ilimitada impunidade: matar em nome de Deus, da religião, da Cruz e de Jesus era legítimo – e encorajado.
Na Palestina, as cruzadas tomaram o nome de “invasões francas”. Os povos locais viam, naturalmente, a chegada dos cruzados como invasores. E a maior parte destes militares que invadiam o território palestiniano eram naturais do antigo Império Carolíngio e autodenominavam-se “francos”.
Entre os mais famosos Cruzados, destacam-se os cavaleiros das Ordens de São João de Jerusalém (Ordem do Hospital ou Hospitalários) e aqueles que a lenda mais engrandeceu: os Templários (Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão, conhecida como Cavaleiros Templários, Ordem do Templo ou simplesmente como Templários.
As Cruzadas constituíam também uma peregrinação, uma forma de pagamento a alguma promessa, ou uma forma de pedir alguma graça; eram consideradas como penitência. Com a chegada de um novo milénio certo clima de comportamento coletivo parece ter contagiado grandes grupos do ocidente, unidos pelo medo, pela crença de que com a chegada do ano 1000 chegava também o fim do mundo. Com medo desse fim dos tempos, as peregrinações de cristãos para Jerusalém aumentaram de número de participantes e de frequência. É que se pensava que valeria a pena qualquer sacrifício para evitar o inferno. De certa forma, outro efeito causaria este fluxo de peregrinos: as Cruzadas contribuíram muito para o comércio com o Oriente.
Houve nove cruzadas segundo a tradição. Parece certo, no entanto que constituíram um movimento quase permanente ao longo de mais de dois séculos.
A mais famosa terá sido a Cruzada Popular ou dos Mendigos (1096), movimento popular assente no misticismo da época e que começou antes da Primeira Cruzada oficial. O monge Pedro, o Eremita, graças às suas pregações comoventes, conseguiu reunir uma multidão (entre os guerreiros, havia uma multidão de mulheres, velhos e crianças). Na busca de recursos financeiros para tão longa viagem até a Palestina, estes cruzados atacaram judeus europeus, na sua opinião, os infiéis ricos mais próximos. As primeiras vítimas foram os judeus da Renânia.
Mal equipada e mal alimentada, essa cruzada massacrou, pilhou e destruiu tudo pelo caminho, mas o resultado foi um desastre, pois a Cruzada dos Mendigos chegou muito enfraquecida à Ásia Menor, onde foi arrasada pelos turcos.
As Cruzadas seguintes, foram mais bem organizadas – e muito mais sangrentas. A oriente, povos que inicialmente se deixaram dizimar, foram-se preparando para defender cada vez melhor os seus interesses. A memória desses tempos diluiu-se, mas nunca se apagou.
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