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Sexta-feira, Novembro 22, 2024

O torpor colectivo de um País de “faz de conta”

António Garcia Pereira
António Garcia Pereira
Advogado, especialista em Direito do Trabalho e Professor Universitário

Ainda recentemente denunciara que, pela boca do ministro do Trabalho Vieira da Silva, o Governo de Costa deixara claro que não iria tocar nas medidas terroristas e anti-trabalhadores que foram as chamadas reformas laborais da Tróica (em especial as Leis nº 23/2012, de 25 de Junho e nº 69/2013, de 30 de Agosto) e a drástica facilitação e embaratecimento dos despedimentos e da contratação precária que elas representaram.
Alguns dos leitores terão eventualmente achado que seria um exagero da minha parte. Mas agora o Secretário de Estado do Emprego Miguel Cabrita encarregou-se de deixar absolutamente claro que “o Governo não está em nenhuma previsão nem posição conjunta com nenhum partido para uma alteração radical das leis laborais”, que ”nunca esteve em causa uma revisão global das leis laborais” e que admite apenas “alterações cirúrgicas à legislação laboral para promover e valorizar os contratos sem termo”.

Ou seja, para o Governo de António Costa, afinal, as principais reformas laborais da Tróica e do Governo Coelho/Portas são boas e são para manter!

E ninguém, a começar pelos sindicatos, designadamente os da Intersindical, outrora aparentemente tão activos, faz nada contra isto…

Também denunciei, quanto à TAP, que aquilo que o Governo de Costa tem estado a fazer é a salvar e a chancelar o criminoso processo da sua privatização e que este, para além de um verdadeiro caso de polícia, representa a destruição de uma empresa absolutamente estratégica para o País e também de defesa da unidade nacional e dos seus cidadãos.

De novo alguns leitores terão porventura considerado que se tratava de um outro exagero e que o negócio dos 50%-50% feito pelo amigo de Costa, Diogo Lacerda Machado, até era uma coisa boa. Mas eis que nos últimos dias se soube que tudo se encaminha para que o dito amigo seja recompensado com um lugar de Vogal na Administração da mesma TAP e que a presidência desta seja entregue ao ex-governante do PSD Miguel Frasquilho. E entretanto, ouvido na Comissão Parlamentar de Economia, Finanças e Turismo a propósito do mísero “subsídio social de mobilidade” pago aos residentes nas Regiões Autónomas e dos preços escandalosamente altos que a TAP pratica nas viagens entre o Continente e a Madeira e os Açores, o Vice-Presidente da Companhia Ricardo Le Presti teve o desaforo de responder que: “a TAP foi parcialmente privatizada, como tal não tem obrigações de serviço público”.

E também ninguém, a começar pelos sindicatos da TAP, tem nada a dizer ou a fazer sobre este outro escândalo…

Já agora, e ainda quanto à transportadora aérea, veio a público a denúncia de que a TAP terá a voar nas suas operações aviões Airbus A 340-300 que já ultrapassaram as 100.000 horas de voo e os 60 dias de licença extraordinária para operar concedidos pela ANAC – Autoridade Nacional da Aviação Civil. E, das duas, uma: ou tal informação é falsa e deveria ter sido pronta e explicitamente desmentida e o seu autor chamado à pedra ou tal informação é verdadeira e a situação em causa (de uma autêntica calamidade e não apenas de um incidente de explosão de um dos reactores como aconteceu há uns tempos com um avião da TAP sobre Camarate) é absolutamente criminosa e uma tragédia à espera de acontecer.

E, uma vez mais, ninguém diz ou faz nada…

Também já referira em artigos anteriores que temos serviços de informações em autêntica “roda livre”, espiando e controlando, inteiramente à margem da lei, cidadãos inconformados ou simplesmente “desconformes” com o Poder dominante. E uma vez mais alguns dos leitores terão pensado que não seria bem assim e que sempre haveria algum controle democrático e até por parte da Comunicação Social sobre o que tais serviços e respectivos agentes – formalmente proibidos por lei de, por exemplo, efectuarem escutas telefónicas, ambientais ou directas ou de interceptarem comunicações electrónicas, tais como mails ou SMS’s – andariam a fazer.

Mas não só toda a Comunicação Social dita de referência abafou e silenciou por completo a notícia – revelada em primeira mão pelo Jornal Tornado – do Acórdão da Relação de Lisboa que (embora 4 anos e meio depois!?) criticou fortemente a inacção do Ministério Público no caso da cedência pela RTP à Polícia de imagens em bruto da manifestação de 14 de Novembro de 2012, como também, agora pelas declarações prestadas, sob juramento, em audiência de julgamento pelo Prof. Pedro Barbosa, que foi membro do Conselho de Fiscalização do SIRP – Sistema de Informações da República Portuguesa entre Dezembro de 2008 e Março de 2013, se ficou a saber que a pseudo-fiscalização das secretas era feita – pasme-se quem ainda achasse exagerado o que eu referira!… – por 3 visitas ao ano, de cerca de 1 hora cada, realizadas sempre com uma comunicação de 2 ou 3 dias de antecedência e que a análise realizada era quase só documental, e mesmo assim sempre limitada a uma lista de processos previamente enviada… pelos próprios serviços de informações “fiscalizados”!?

E ninguém, a começar pelos deputados que integram a comissão dita “fiscalizadora” e a terminar no Ministério Público, diz ou faz nada sobre este outro escândalo…

E já agora convirá recordar aqui que o mesmíssimo Ministério Público que já levara um ano desde o início do respectivo processo criminal a ir efectuar buscas a casa de Ricardo Salgado se soube agora que deixou passar um ano e meio entre a data (Julho de 2014) da entrada na Procuradoria Geral da República da denúncia contra o Procurador Orlando Figueira e a data (23 de Fevereiro de 2016) da realização das buscas a casa do mesmo arguido e a outros locais. Estão a querer brincar com a nossa inteligência…

Mas também, e já que se fala neste caso, o certo é que o juiz Carlos Alexandre, faltando ostensivamente à verdade e lançando um óbvio, e totalmente inadmissível (excepto para o Conselho Superior da Magistratura que, por maioria, nisso não viu motivo para processo disciplinar) remoque sobre um processo a seu cargo, dissera em entrevista à SIC que tinha dificuldades económicas mas que “não tinha amigos pródigos que lhe emprestassem dinheiro”, quando afinal se vem a descobrir que o seu amigo pródigo Orlando Figueira lhe emprestara 10 mil euros, que ele tratou de devolver (apenas) quando já se sabia da constituição daquele como arguido.

E, uma vez mais, ninguém com um mínimo de responsabilidades (a começar pelo sempre tão activo para outras coisas Conselho Superior da Magistratura) vê nenhum mal na mentira, para mais por parte de um juiz de instrução criminal que se gosta de apresentar como um autêntico “poço de virtudes”.

Vive-se, pois, uma época em que as instituições (a começar pelos organismos públicos e a acabar nos sindicatos e nos partidos políticos), por influencias de poder, de dinheiro, ou outras, como que vegetam numa espécie de nevoeiro de silenciamento, de conformismo e de impotência.

A nós, cidadãos, compete-nos porém resistir contra o que é incorrecto, lutar contra o que é injusto, e se as instituições e organizações que existem não servem para aquilo a que supostamente se destinariam, teremos que saltar por cima delas e criar novas formas de organização e de intervenção.

E, em boa verdade, a História ensina-nos que a Humanidade nunca colocou nenhum problema para o qual não estivesse já a construir a respectiva solução.

Ao contrário do que pregam os ideólogos do pensamento dominante, é, pois, possível fazer diferente e melhor. E o primeiro passo a dar é precisamente saber denunciar o que está, e profundamente, errado.

As opiniões expressas nos artigos de Opinião apenas vinculam os respectivos autores.

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