O comunicado da Procuradoria-Geral da República prolongando o prazo do inquérito do caso “Operação Marquês” é um texto ambíguo e auto-justificativo, apesar do cuidado com que foi redigido para que não se perceba o embaraço da procuradora-geral por, depois de ter marcado um prazo para encerramento do inquérito, vir agora não apenas aceitar o pedido dos procuradores, de mais dois meses para a investigação, mas sugerir-lhes ainda a possibilidade de poderem prolongar novamente esse prazo.
O comunicado é ambíguo na formulação da possibilidade de o inquérito se prolongar quase indefinidamente, ao indicar o final de Abril não para o fim do inquérito mas para que os procuradores digam se precisam novamente de mais tempo. E a responsabilização dos inspectores da Autoridade Tributária pelo atraso do inquérito denota alguma irritação ao acusá-los, eufemisticamente, de “insuficiência dos relatórios de análise de prova, apresentados pelo órgão de polícia criminal”, leia-se, de incompetência.
Com este comunicado a procuradora-geral dá também uma enorme machadada na credibilidade da investigação a José Sócrates que está a ser realizada (e mediatizada) há cerca de 4 anos, A procuradora-geral tem consciência disso, como mostra o nervosismo com que tem respondido (ou não respondido) aos jornalistas que a interpelam à saída ou à entrada dos eventos em que participa.
Também a sua comparação do caso Sócrates com o caso Madoff mostra que a procuradora-geral não percebeu a diferença entre um caso que é investigado durante 8 anos sem que se conheça qualquer fuga de informação e que é despachado em poucos meses quando chega ao ministério público (Madoff) e a “Operação Marquês” em que o José Sócrates é diariamente objecto de fugas de informação e quebras do segredo de justiça que violam o seu direito à presunção de inocência. A procuradora-geral comparou o que é incomparável sem assumir que o Ministério Público por si dirigido não tem sido capaz de proteger os inquéritos de que é titular. Como bem sublinhou o Presidente da República nem sequer é expectável que os crimes de violação do segredo de justiça venham a ser punidos, embora de vez em quando se anunciem uns inquéritos a essas violações que nunca encontram culpados.
A decisão de prolongar indefinidamente o inquérito é um tiro no pé da procuradora-geral que vira contra o Ministério Público até aqueles que à partida não tinham nenhuma dúvida sobre a solidez das provas contra Sócrates. Os seis crimes imputados a Sócrates publicados hoje no Diário de Notícias, depois de tantas fugas de informação e de tantas contradições e tergiversações do processo, já não têm o efeito que teriam se o Ministério Público tivesse conduzido a investigação com lisura, lealdade e respeito pelos direitos de José Sócrates. Como não o fez, só resta aos cidadãos que ainda acreditam na justiça esperar pelas provas que liguem Sócrates aos crimes de que, segundo os jornais, é culpado.
É uma ironia ouvir jornalistas e comentadores que antes andavam com o Ministério Público e o juiz Carlos Alexandre “ao colo” dizerem agora que “a detenção de Sócrates foi um erro” e a sua prisão preventiva uma decisão excessiva. Como é igualmente irónico verificar que aqueles que mais têm noticiado elementos do processo por serem assistentes ou porque gozam da confiança de procuradores e investigadores da PJ admitam como mais provável que Sócrates venha a ser acusado e condenado através de indícios, deduções e, quem sabe, invocação de provérbios como os do acórdãos da Relação sobre cabras e cabritos.
Chegámos a isto, em grande parte devido à incompetência, laxismo e falta de liderança do Ministério Público, incapaz de cumprir prazos e de proteger os inquéritos e os direitos dos arguidos.
Artigo publicado originalmente no blog VAI E VEM