A 25 de Março de 1957 foi assinado, por seis países, o Tratado de Roma, que instituía a CEE, Comunidade Económica Europeia. Seis anos depois da instituição da CECA, pelo Tratado de Paris (em 1951)
A ideia
Arrancava, assim, um processo que dera os primeiros passos logo no imediato pós-Grande Guerra. A ideia inspiradora era a ideia de paz. E não foi por acaso que começou com uma comunidade europeia do carvão e do aço. Há nisto também uma simbologia, por se tratar do principal sector que alimentava a indústria da guerra.
De resto, a guerra sempre fora o grande martírio da Europa. Os dez milhões de mortos da Grande Guerra dariam origem à Sociedade das Nações. E pouco depois começariam as iniciativas tendentes à construção de uma Europa unida, assinaladas por nomes como os de Coudenhove-Kalergi (o movimento Paneuropeu), Aristide Briand, Winston Churchill, Jean Monnet, Altiero Spinelli e Ernesto Rossi (“Il Manifesto di Ventotene”, 1941), Robert Schuman.
As ditaduras europeias de entre-guerras e a Segunda Guerra Mundial viriam a acentuar a necessidade de dotar a Europa de uma estrutura política comum que pudesse evitar novas tragédias.
A herança era, em trinta anos, de cerca de 50 milhões de mortos e uma Europa destruída que necessitou de um Plano Marshall para a reconstrução, cerca de 14 mil milhões de dólares. Seminal foi o “Manifesto di Ventotene”, de Spinelli e Rossi, hoje assumido como texto fundador.
A CEE
O primeiro Tratado foi o da CECA (1951), tendo-se-lhe seguido, em 1957, o da Comunidade Económica Europeia (CEE), que se dotou das seguintes instituições:
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Uma Assembleia com 142 deputados (ainda delegados dos parlamentos nacionais) e com poderes deliberativos e de controlo (art. 137).
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Um Conselho com funções de coordenação das políticas económicas gerais dos Estados-membros e poder de decisão (art. 145). Tratava-se do verdadeiro órgão de poder da Comunidade.
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Uma Comissão que controlava a aplicação do Tratado, formulando recomendações e pareceres, e dispondo de um próprio poder de decisão. Participava na formação dos actos do Conselho e da Assembleia, exercendo as competências que lhe fossem atribuídas por aquele (art. 155). Os comissários eram nomeados por comum acordo entre os governos dos Estados membros (art. 158).
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Um Tribunal de Justiça que assegurava o respeito pelo direito na interpretação e na aplicação do Tratado (art. 164). Nada que não estivesse já na CECA. Mas a partir do Tratado de Roma verificar-se-ia uma evolução que conheceria, em síntese, importantes etapas para o aprofundamento da união económica e monetário-financeira e para a construção da União política, depois de consolidadas as principais conquistas do Tratado que instituiu a CEE: mercado comum, união aduaneira, as quatro liberdades, a livre concorrência, a elaboração das políticas comuns (agrícola, comercial, de transportes). Nesta fase, o Parlamento europeu tinha uma função tão-só consultiva, além de uma prerrogativa de natureza negativa, como, de resto, já acontecia na CECA, ou seja, a possibilidade de demitir a Comissão através de uma moção de censura. Por sua vez, a Comissão detinha o poder de iniciativa legislativa e o poder de execução das políticas comuns.
Os outros Tratados
Mantendo-se em vigor, e em paralelo, os três Tratados (CECA, EURATOM e CEE), tornou-se necessário, a certa altura, fundir as Instituições dos Tratados, o que viria a acontecer com o chamado Tratado de Fusão, de 1965, onde se deu a substituição dos três Conselhos de Ministros e das duas Comissões (CEE e EURATOM) e da Alta Autoridade por um Conselho e uma Comissão únicos. Também se viria a verificar um orçamento de funcionamento único.
A primeira grande reforma dos Tratados viria a acontecer com o chamado Acto Único Europeu, já Portugal e Espanha tinham entrado para a União, sendo esta constituída por 12 membros. De facto, a União tinha visto entrar, em 1973, o Reino Unido, a Irlanda e a Dinamarca, em 1981, a Grécia e, em 1986, Portugal e a Espanha. Em 1995, viriam a entrar, para a chamada Europa dos Quinze, a Áustria, a Finlândia e a Suécia.
O Acto Único lançou o objectivo de realizar o grande mercado interno até 1992, com a supressão progressiva das fronteiras técnicas, a supressão das formalidades de controlo aduaneiro na passagem das fronteiras com pessoas e mercadorias; introduziu, no plano legislativo, o procedimento da cooperação (há que sublinhar que o PE – eleito por sufrágio universal a partir de 1979 – já tinha conseguido, em 1975, a capacidade de rejeição do Orçamento comunitário e que, entretanto, fora criado o Tribunal de Contas); alargou as chamadas competências comunitárias; o voto por «maioria qualificada», no Conselho, passou a ser aplicado à maior parte dos domínios associados à realização do mercado único (com a excepção da fiscalidade); institucionalizou o Conselho Europeu e reforçou a coesão económica e social.
Seguiu-se o Tratado de Maastricht, de 1992 (que entrou em vigor em 1993), que viria a congregar numa só entidade as três Comunidades (CECA, EURATOM e CEE) – a União Europeia. Introduziu-se a designação Comunidade Europeia, eliminando a designação económica, criou-se a União Económica e Monetária, instituiu-se novas políticas comunitárias (educação e cultura) e reforçou-se o poder do Parlamento Europeu através do chamado procedimento da codecisão, do procedimento do parecer conforme, nos acordos internacionais, e da aprovação da nomeação dos membros da Comissão; criou-se o Comité das Regiões e iniciou-se a convergência económica e monetária.
Este importante Tratado instaurou no concreto a cidadania europeia – ao conceder direito de voto nas eleições europeias para o PE, que tinham sido instituídas em 1979, e nas eleições municipais aos cidadãos europeus residentes no estrangeiro, em países da União – e consagrou o princípio da subsidiariedade.
Seguiu-se-lhe o Tratado de Amesterdão (1997), em vigor em 1999, vindo reforçar algumas tendências anteriores no sentido da comunitarização e do reforço do papel do PE; o Tratado de Nice (2001), em vigor em 2003, orientado para a resolução dos problemas ligados ao alargamento, à composição da Comissão, à ponderação dos votos no Conselho e ao alargamento dos casos de votação por maioria qualificada; o Tratado que adopta uma Constituição para a Europa, de 2004 (que viria a ser recusado em dois referendos, em 2005); e, finalmente, o Tratado de Lisboa, em 2007, que, uma vez concluído, em Outubro de 2009, o processo de ratificação por todos os Estados-Membros, viria a entrar em vigor a 1 de Dezembro de 2009, depois de ter sido, antes, recusado em referendo pela Irlanda.
O Tratado da Constituição Europeia foi rejeitado, tal como a integração nele da Carta dos Direitos Fundamentais da União, tendo o Tratado de Lisboa ficado dividido em Tratado da União Europeia e Tratado sobre o funcionamento da União Europeia. À Carta, que não integra o Tratado, foi todavia atribuído o mesmo valor do Tratado. Neste Tratado, o Parlamento Europeu passou a ter formalmente funções legislativas e orçamentais e a eleger o Presidente da Comissão Europeia. Este, em resumo, o percurso institucional da União Europeia até hoje. Mas qual é a situação actual, do ponto de vista político?
A situação actual da União
A situação actual é muito complexa, vistos os problemas que estão em cima da mesa, a começar pela questão dos refugiados (só em 2015, entraram na União um milhão e duzentos mil refugiados), pelo Brexit, formalizado ontem (29.03.17) por carta de Theresa May a Donald Tusk (“to restore (…) our national self-determination”), pelas tendências centrífugas (relativas à União e/ou ao Euro) que têm vindo a ganhar um peso preocupante em vários países, pela crise das dívidas soberanas e, mais em geral, pela crise financeira da União, pela tensão com a Turquia e com a Rússia, pelas problemáticas relações com os USA de Donald Trump e pelo impasse na urgente reforma político-institucional. As questões que se põem são questões de fundo.
Em primeiro lugar, a questão do imperativo histórico da União: a justificação clara e substantiva de que a União faz sentido, de foi um passo histórico irreversível, sendo o retrocesso uma resposta errada ao processo imparável da globalização. Este é a meu ver o primeiro e grande combate que a liderança europeia deveria promover, a nível europeu e dos Estados membros: a demonstração irrefutável de que a União e o Euro são as respostas históricas mais correctas aos desafios da globalização. Um combate tanto mais necessário quanto a União pode exibir índices incomparáveis no plano mundial. É a maior potência comercial e o maior mercado único do mundo. Com poucos anos de vida, o euro tornou-se a segunda moeda mundial, 30% contra 43% do dólar USA, impedindo que os USA determinassem, sozinhos, directamente através da moeda, a economia mundial. É o segundo PIB mundial, com 22% (contra 24% dos USA).
Dois terços dos europeus querem estabilidade na União, 80% defendem as quatro liberdades (livre circulação de pessoas, bens, capitais e serviços) e 70% defendem o euro. Depois, 1,7 milhões de pessoas da União desloca-se para outro Estado-membro por razões de trabalho ou de estudo. Sendo demograficamente preocupante (em 2015 a União exibia 6% da população mundial, quando, em 1960, exibia 11% e, em 1900, 25%), é, ao mesmo tempo, um bom indicador da evolução civilizacional da União ter uma idade média de 45 anos (projecção para 2030), possuindo um dos mais avançados Estados Sociais do mundo. É um espaço de 500 milhões de pessoas em 400 milhões de quilómetros quadrados. Líder (com 40%) nas tecnologias das energias renováveis e nas “cidades inteligentes, a União possui um alto índice de desenvolvimento tecnológico e informacional.
Em segundo lugar, a questão de uma imprescindível reforma institucional que responda a dois problemas: o da legitimidade política ou défice democrático e o da eficácia na acção e no funcionamento (no plano interno e no plano internacional).
Em terceiro lugar, a questão da resposta, sustentada numa visão estratégica claramente assumida, ao problema das migrações (refugiados e, em geral, imigração), estando a União sujeita a uma pressão migratória verdadeiramente preocupante.
Em quarto lugar, a questão da resposta eficaz e global quer ao problema do funcionamento do sistema financeiro europeu quer à questão da harmonização fiscal.
Em quinto lugar, a construção de uma efectiva uma cidadania europeia que possa dar resposta e consistência política ao processo de aprofundamento da integração. Não encontrei, todavia, como já aqui tive oportunidade de dizer, no Livro Branco da Comissão Europeia resposta a qualquer um destes problemas.
Mas estes são, de facto, os grandes problemas com que a União se confronta hoje. E a minha pergunta é muito simples: por que espera a liderança europeia para lançar um intenso combate político em defesa da União Europeia? Porque só com este combate – o combate decisivo aos que, cada vez mais e com maior arrogância, levantam a voz contra a União – poderá ganhar a difícil batalha que tem (temos) pela frente. Até no nosso país, quando duas forças que sustentam politicamente a actual solução governativa levantam, alta, a voz contra a União! De resto, este combate decisivo exigiria, por si só, uma clarificação de posições acerca das soluções para a União. Ou será por isto mesmo que a liderança europeia não o desencadeia? Na verdade, os personagens que têm andado por lá não nos confortam muito com os seus currículos! Que trave, pois, a cidadania, este combate!