«O CETA é plenamente coerente com as políticas da União, entre as quais as que incidem no comércio internacional. Neste contexto, o CETA não irá reduzir nem alterar a legislação da UE, nem irá modificar, reduzir ou eliminar as normas da UE nos domínios regulamentados»
Na Proposta de decisão do Conselho Europeu relativa à aplicação provisória do CETA (o acordo de comércio e investimento entre a União Europeia e o Canadá) afirma-se o seguinte:
O CETA é plenamente coerente com as políticas da União, entre as quais as que incidem no comércio internacional. Neste contexto, o CETA não irá reduzir nem alterar a legislação da UE, nem irá modificar, reduzir ou eliminar as normas da UE nos domínios regulamentados».
Esta afirmação suscitaria algum alívio se não se desse o caso dela ser feita num documento sem qualquer valor legal, e, mais gravemente, de não corresponder à verdade.
Esta afirmação é falsa de duas formas diferentes. Por um lado, ela ignora uma série de transformações com efeito imediato assim que o acordo entrar em vigor. Por exemplo, a União Europeia conseguiu o reconhecimento de apenas 13% dos Produtos de Indicação Geográfica Protegida (PIGP) (que são actualmente 1.307 no total) prejudicando assim dezenas de milhares de famílias de agricultores, além dos problemas associados à discriminação entre PIGPs e de todo o espaço que abre para que os interesses especiais determinem as políticas públicas. Outro exemplo, talvez mais relevante no que diz respeito à protecção da saúde e do ambiente, é a incompatibilidade entre o CETA e o Princípio da Precaução. Por essa via, um dos principais pilares da legislação europeia está excluído.
No entanto, ao contrário do TTIP onde a transformação da legislação ao serviço dos interesses das multinacionais e arrepio do interesse público foi proposta sem qualquer pudor, o CETA é um acordo mais insidioso. De facto, as maiores transformações legislativas não se dão com a entrada do acordo em vigor, mas sim através dos «alçapões» criados para a sua alteração subsequente. O CETA cria um conjunto de Comissões Regulatórias a quem é dada a competência para introduzir alterações ao tratado, mas que não estão sujeitas a qualquer escrutínio por parte de instâncias democráticas. Este acordo é assim um verdadeiro «cheque em branco» e um ataque à Democracia.
No mesmo sentido, mas por outra via, vale a pena atentar a uma carta recente da comissária europeia para o comércio, Cecilia Malmström. Nela, a comissária admite que, face à incompatibilidade entre a legislação europeia e o conteúdo do tratado «a UE terá um certo período de tempo para se colocar em conformidade». O texto não podia ser mais claro: ele revela preto-no-branco a forma como a democracia será subalternatizada aos interesses das multinacionais caso o CETA entre em vigor.
E a menorização das leis acordadas pelos nossos representantes já se verificou no próprio processo de negociação do acordo. Apesar das grandes multinacionais terem sido parte das negociações, o mesmo não aconteceu com as várias associações da sociedade civil, que se viram excluídas. No entanto, o Tratado da Fundação e o Tratado de Funcionamento da UE diz no seu artigo 11:
- As instituições, recorrendo aos meios adequados, dão aos cidadãos e às associações representativas a possibilidade de expressarem e partilharem publicamente os seus pontos de vista sobre todos os domínios de acção da União.
- As instituições estabelecem um diálogo aberto, transparente e regular com as associações representativas e com a sociedade civil.
- A fim de assegurar a coerência e a transparência das acções da União, a Comissão Europeia procede a amplas consultas às partes interessadas.”
Quanto mais se conhece o CETA, mais clara é a sua incompatibilidade material com os princípios democráticos. Os cidadãos europeus precisam de lutar para preservar a democracia, rejeitando de uma vez por todas a ratificação deste acordo.
João Vasco Gama, Membro da Plataforma Não ao Tratado Transatlântico