A Constituição iraniana dá a um corpo seleccionado de clérigos o poder exclusivo de nomear o líder espiritual – para todos os efeitos o detentor do poder político – bem como de seleccionar os candidatos entre os quais podem ser escolhidos algumas das outras figuras do poder, nomeadamente os membros do “Majlis” (parlamento) e o presidente da república, este último a segunda figura do regime.
Desde a revolução islâmica de 1979, o Irão conheceu apenas dois líderes espirituais, Khomeini, o primeiro, e Khamenei, o actual. Khamenei foi o presidente da república de 1981 a 1989 e passou a número 1 do regime nessa data.
Dentro de um sistema que funciona em circuito absolutamente fechado, foram-se no entanto formando diversas facções que têm tido a permissão para se apresentar às “eleições”.
As “eleições” não são observadas por nenhuma entidade independente e não há qualquer garantia de que elas traduzam o verdadeiro sentido dos votos daqueles que nelas participam.
As circunstâncias políticas em que decorrem as eleições de 2017
As décimas segundas eleições presidenciais iranianas foram marcadas para 19 de maio. Para o líder supremo Ali Khamenei, elas realizam-se numa altura em que ele enfrenta três desafios distintos.
- Khamenei foi recentemente operado a um cancro da próstata, o que, aliado à sua idade, torna a escolha do seu sucessor um problema mais premente. Desde Março de 2015 que ele realizou vários encontros com os líderes do regime, e especialmente dos guardas revolucionários (IRGC de acordo com o acrónimo inglês) com o objectivo de encontrar um sucessor o mais consensual possível, no sentido de tentar que a questão seja resolvida ainda com ele em vida;
- A mudança política operada após as eleições presidenciais americanas. O líder iraniano receia o seu isolamento no teatro internacional e em particular no mundo árabe e islâmico;
- A possibilidade da repetição do cenário de 2009, com a população a aproveitar as eleições e as rivalidades entre facções do regime para se revoltar contra o regime teocrático.
Contrariamente a opiniões muito em voga no Ocidente, o confronto entre uma facção pró-Khamenei e outra favorável ao actual Presidente Hassan Rouhani nada têm a ver com diferenças entre “duros” e “moderados”, mas antes com ambições diferentes entre quem está unido na salvaguarda e manutenção de uma ditadura religiosa no poder bem como a sua expansão no exterior.
Ambas as facções, incluindo a de Khamenei e a corrente anteriormente representado pelo influente Ali Akbar Hashemi Rafsanjani, acredita na repressão interna, na obtenção de armas nucleares, na intromissão nos assuntos internos de outros países como o Iraque e a Síria e no fomento da instabilidade e do terrorismo como ferramentas de política externa. As diferenças são apenas de natureza táctica.
Portanto, quando falamos sobre estas diferenças, convém não as confundir com as que existem em sistemas democráticos.
Khamenei encontra-se neste momento em posição de fraqueza. Contrariamente ao que aconteceu em 2016, em que ele atacou constantamente Rouhani pelos fracos resultados do acordo nuclear, Khamenei tem evitado tecer críticas públicas ao seu número dois. Por outro lado, confrontado com as mudanças políticas nos EUA, ele tem evitado repetir as rituais ameaças às autoridades americanas e adoptado um estilo menos agressivo.
A engenharia eleitoral de Khamenei
O período de apresentação de pré-candidaturas para as eleições decorre de 11 a 16 de Abril. O “Conselho dos Guardiães” – corpo ultraconservador de doze homens, directa e indirectamente nomeados por Khamenei – seleccionará entre eles os candidatos aprovados de 17 a 27 de Abril.
O número de pré-candidatos é norrmalmente elevado, na ordem das muitas centenas, mas só os favoritos das principais facções podem esperar a sua selecção pelo “Conselho dos Guardiães’’.
De acordo com o diário iraniano “Ebtekar” “A candidatura do Rouhani foi confirmada depois de contar com o apoio dos dirigentes do Estado”. No entanto, Khamenei formou um “Partido Popular das Forças Revolucionárias” com os mesmos indivíduos que propulsaram em 2005 o agitador Amadiejad a presidente eleito em 2005, dando assim sinais da forma como ele pode martelar as próximas eleições.
Na sua mensagem de Ano Novo (Nowruz) Khamenei admitiu publicamente o seu papel na chapelada eleitoral de 2009: “Entrei em 2009 e mantive-me firme”. E referindo-se já às eleições de 2017 afirmou: “vou permancer firme e intervir”.
É interessante notar que os dirigentes do IRGC e especialmente o comandante da sua “Quads Force” o general Qassem Suleimani, patrocinam a candidatura de Ibrahim Reisi, que também é considerado uma das opções para a sucessão de Khamenei. Khamenei ainda não decidiu se aceita a candidatura de Reisi às eleições. Se ele se regista como candidato e não é eleito, verá as suas hipóteses de sucessão de Khamenei severamente prejudicadas. E se Khamenei pretende a todo o custo ter Reisi como próximo presidente, arrisca-se a ver de novo um cenário de revolta generalizado.
Dados os numerosos imprevistos e difíceis decisões com que Khamenei e as várias facções do seu regime se confrontam, não é fácil prever o que se vai passar, sendo que podemos prever três cenários diferentes:
- Eliminação de Rouhani e sua substituição por um candidato mais fiel a Khameini e ao IRGC;
- Recondução de Rouhani na condição de se submeter explicitamente à vontade de Khamenei e do IRGC;
- Rouhani faz-se eleger sem o apadrinhamento explícito de Khamenei.
Para Khamenei o primeiro cenário é o ideal. Mas se ele temer que isso se possa traduzir por revoltas no país, poderá optar pelo segundo cenário.
Rouhani prefere naturalmente o terceiro cenário, mas, tal como Khamenei, teme as consequências para o regime de uma confrontação nas urnas.
Quando outorgou a Rouhani a possibilidade de ele se recandidatar, Khamenei pediu-lhe para realizar reuniões de coordenação com o General Sulemani (responsável pela “Quads Force” e com Mohammad Ali Jafari, comandante do IRGC. Esta solicitação indica que é o segundo cenário o mais provável.
No entanto, o povo iraniano e sua oposição organizada, simbolizados no Conselho Nacional da Resistência Iraniana (CNRI) consideram nulas estas eleições do regime e exigem eleições livres e justas realizadas sob os auspícios das Nações Unidas. Essas eleições só serão possíveis depois do fim do sistema em vigor sua substituição por um regime democrático.
Parvaneh Farhangi, Economista, em Karaj, Irão