Poema de João de Almeida Santos
para um Desenho de Filipa Antunes
O TEU ROSTO,
NUMA CATEDRAL DE PALAVRAS…
I.
Vejo-te, aqui,
A branco e negro,
Tão simples,
Nesta catedral
De palavras,
Enredada
Em mil fios
Que te desenham
Esse perfil
De mulher
Sensual,
Projectada
Num feixe
De luz!
II.
Ecoa
O teu silêncio
Por entre colunas
E vitrais
Iluminados
Por essa luz branca
Que te atinge,
Intensa,
Como metáfora!
III.
Cabelos revoltos
Por sons
Inaudíveis
Com força
De vento
Que os desalinha
E te empurra,
Com ímpeto
De chamamento,
Para o altar
De Atena,
A Deusa
Que nos inspira!E tu, tímida,
Invoca-la
Como ajuda,
Num silêncio
Quase ofegante,
Tão profunda
A dádiva
Que lhe rogas…
IV.
Sim, Mulher,
Uma descarga
Intensa
De riscos e luz
Caiu sobre ti
(Lembras-te do Man Ray?),
Estampando-te
A branco e negro
Numa folha
Nua,
E desenhou
Esse perfil
De mulher
Hesitante,
Que me chama
Em silêncio…
Para que a ouça
Intensamente
Com a alma!
V.
São riscos
Ou mãos
Que acariciam
Esse rosto
Que já saiu
De ti
E quase se perde,
Levitando
Sobre um caminho
Que não encontra,
Mas trilha,
Sem saber…E eu a vê-lo,
Em fuga
Para lugar
Nenhum,
Procurando
Agarrá-lo
Com as letras
Deste poema!
VI.
Negro e branco
Marcam,
Profundos,
Esse rosto
Tão belo,
Em movimento
Livre,
Sem destino…
VII.
E eu a segui-lo
Com este rasto
De palavras
Na vereda
Estreita
Que nos une
A caminho do oráculo…
VIII.
Não ouves
A minha
Voz
Interior
Que te responde
E chama?Não vês
Que te procuro
Sempre,
Desdobrando
Os teus riscos
Nestas palavras
Que te lanço
Para desenhar
O caminho
Do nosso altar…
E do destino?Não vês…?
Ilustração: Desenhos de Filipa Antunes