Há muito que penso escrever sobre este assunto. Não é algo que me agrade. Mas preciso. Achei que não deveria passar de hoje, afinal, estamos no Dia Internacional dos Trabalhadores, e este acaba por ser um assunto laboral.
Está a fazer praticamente 1 ano que me “coloquei” numa situação extremamente difícil e delicada. A situação em si resolveu-se, de uma forma ou de outra, a vida continua. Difícil e delicada foi a consequência.
A ver se consigo explicar um pouco melhor, de forma a fazer sentido. Tudo culminou quando fui obrigada, por forças da circunstância, a pedir rescisão de contrato de prestação de serviços com a empresa onde colaborava. Mantive contrato de prestação de serviços com esta empresa durante vários anos, prestando serviços a vários clientes deles.
Esta prestação de serviços, claro está, é uma bonita e legal forma de dizer… Na realidade, estava sujeita às regras deles. Por um lado, tinha horário a cumprir e local onde o fazer; por outro, segurança social, férias e doença eram por minha conta. No início não tive objecções, era por pouco tempo, precisava do dinheiro, aceitei. Depois, com o passar do tempo, e vendo que a situação não era passageira, que nem uma nuvem cheia de água pronta a inundar tudo à volta, fui tentado negociar junto de quem de direito a alteração da minha situação laboral.
Apesar de ter perdido a guerra, como referi no início, ganhei algumas batalhas: conseguir aumentar por várias vezes o valor/hora que recebia nos dois últimos anos ter direito a gozar dias de férias pagos. Não esqueço e agradeço, como sempre o fiz. A tal não estavam obrigados (à luz do contrato vigente). Foi desta forma que me mantiveram sossegada e sem levantar ondas. E assim continuei sem nunca passar para outro tipo de contrato laboral. Não vou mentir, foram-me feitas propostas de contrato, mas com valores de tal forma ridículos que optei por os esquecer assim que saía das reuniões. O que fazia de forma consciente, de forma a não afectar o meu inconsciente em alturas de trabalho. Estranho? Bem estar psicológico 0 – empresa 1.
Quem é precário sujeita-se. A necessidade de ter dinheiro para pagar as contas ao final do mês é demasiado importante para se ter acessos personalidade e dignidade. De querer ser uma pessoa humana com direitos e deveres. Pessoa humana, sim, pois pessoas somos todos, mas nem todos somos devidamente tratados como humanos.
Era assim, desta forma, que pensava até Maio de 2016, altura em que as coisas mudaram. Era constantemente assediada psicologicamente no local de trabalho. Condições que tive, que me foram dadas, não por obra e graça do Espírito Santo, mas que foram conquistadas devido ao meu trabalho, foram-me a pouco e pouco retiradas. Com justificações injustificadas. Fui, por várias vezes, alvo de agressão verbal por parte de colegas, directos, de trabalho, de formas que nunca pensei ser. Inqualificável. E não por questões de trabalho, mas por questões pessoais. Mas o mais engraçado (estou a ser irónica, claro), por parte de pessoas que não me conheciam pessoalmente. Bonito, não?
Desta forma, ir trabalhar, deslocar-me até às instalações, passar o tempo do horário laboral junto de pessoas que não têm qualquer respeito pelo ser humano, pelo trabalho do outro, passou a ser insuportável. Chegar a casa todos os dias a chorar, não ter vida. Tentar sobreviver.
Até que numa bela tarde fui convocada para uma reunião, para mais uma vez me comunicarem que o problema era eu, não o meu trabalho. Que teria de mudar o meu paradigma. Baixar as expectativas e exigências. Sim, porque no meio de tudo isto, a qualidade do trabalho que apresentava era excelente, do trabalho propriamente dito nunca houve queixa. Não havia como. Sempre dei o meu melhor no trabalho. Sou exigente com o que faço, e sou igualmente exigente com quem trabalho. Se calhar, essa é a questão.
Assim se passaram 3 horas de lavagem cerebral. Atacada desde o primeiro minuto por “morder na mão que te dá de comer”. Acusação infundada, devido a má preparação suponho. Mas no fim a conversa era “não queremos que te vás embora” apenas que cumpras o que te pedimos sem levantar ondas… “e com a idade que tens, o que vais fazer? Quem te vai querer? Mal por mal, nós já te conhecemos…” Mas a imagem que a minha cabeça me mostrava era “queremos que te dobres um bocadinho mais, pois ainda não te vemos a cor das cuecas de forma suficientemente visível” e, como não tens outra forma de sobreviver, vais ter de aceitar.
Ah, é verdade. Numa coisa tinham razão. Na parte “que te dá de comer”. Por via das circunstâncias, esta empresa era a única forma de sustento que tinha, eu e, claro está, o meu agregado familiar. Logo, se perdesse este rendimento estaria a colocar em causa minha (nossa) existência. Eles sabiam-no, e não tiveram qualquer tipo de problema em o fazer notar. Prepotência, arrogância, poder pelo poder, humilhação do forte pelo mais fraco, bullying. Abuso puro e simples.
Não aceitei. Irresponsável da minha parte. Loucura. Ou atitude corajosa, como me chegaram a dizer? Chegando ao dia de hoje…. foi tudo junto.
Irresponsável e loucura, pois à data não tinha outra alternativa que me permitisse manter a vida que tinha. E estou só falar de ter possibilidade de pagar a a renda de casa, água, luz e telecomunicações.
Irresponsável e loucura, pois ainda hoje não tenho alternativa. As tais consequências difíceis de que falava no início. Lembram-se? Fui obrigada a sair de casa. Ainda tenho paredes onde me abrigar, não sei por quanto mais tempo, mas tenho.
A questão nunca foi o trabalho. Mais uma vez o digo. Não tenho medo de trabalhar, gosto de trabalhar. Ainda hoje trabalho, acordo cedo e trabalho. Deito-me tarde por estar a trabalhar. Já fiz salgados para vender. Não tenho vergonha de trabalhar. Não ganho é para pagar as contas. Por isso, quanto à coragem, acho que a não tenho. Se o trabalho que faço não me permitir continuar a sobreviver, não sei o que farei. Não quero pensar. Não tenho coragem para tal. Afinal não sou corajosa.
No entanto, o que não aceito são as empresas que apregoam fazer responsabilidade social, campanhas de recolha de alimentos e roupa para pessoas com necessidades mas no seu dia-a-dia rejeitam a responsabilidade social junto dos que nelas trabalham. Retiram-lhes a individualidade. Não querem que os seus colaboradores tenham ideias e vida próprias, mas que fiquem sujeitos à estupidificação da sociedade, alienados dos problemas reais, que glorifiquem os almoços e presentes grátis, festas disto e daquilo. Que tipo de sociedade se está a criar? As pessoas têm direitos, os trabalhadores têm direitos. Hoje é feriado. Celebram-se os direitos laborais. Os adquiridos, sim. Mas há ainda muito mais por adquirir.
A sociedade está em permanente mudança. O interesse da empresa é oposto ao das pessoas. Há que encontrar forma de equilíbrio, criar e manter uma sociedade que assente no Homem e não nas necessidades do mercado, seja ele o que for. A dignidade do ser humano deve e tem de ser real.
Na empresa onde trabalhava (ou se preferirem, fazia prestação de serviços) ouvia-se muitas vezes “temos de pensar no futuro”. Sempre me questionei o que ao certo queriam dizer. Se encontrar novas forma de negócio, ou enquadrar as necessidades do futuro no presente? O que é certo é que no que respeita às novas tecnologias queriam estar à frente e em alguns casos não duvido. Mas utilizar de facto as novas tecnologias no dia-a-dia de maneira à satisfação do trabalhador e optimização das condições de trabalho para todos, aí, já tenho dúvidas.
E a modus que a finalizar, só quero acrescentar que pessoas são pessoas e empresas são empresas. Não se pode confundir umas com as outras. As empresas existem, têm a sua importância. Pode-se acrescentar que, em última análise, são as pessoas que lá trabalham que fazem as empresas. Mas não se pode generalizar. Há pessoas que ainda conseguem ser humanas e às quais agradeço. Obrigada.
Há muitas pessoas em circunstâncias semelhantes à minha. Acredito que muitas mais ainda permaneçam sob tutela do autoritarismo para garantirem que vivem. E outras, como eu, tenham optado por desafiar o status instalado. Espero que tenham tido melhor sorte. Ainda estou à espera da minha vez. Mas não estou parada. Escrevo para ver se mantenho a sanidade.
Valha o que valha, viva o Dia Internacional dos Trabalhadores. Seja ele em que dia for.