Ignorando os cidadãos e o Sul do país
No passado dia 11 de Abril, realizou-se na Associação Empresarial da Região de Leiria, um dos três debates que o governo promoveu para dar cumprimento à recomendação do PAN, de informar o país sobre o CETA – o acordo de comércio e investimento entre a UE e o Canadá – a fim de esclarecer os cidadãos sobre as implicações do acordo nas suas vidas. Os outros dois debates tiveram lugar no Palácio Foz em Lisboa e no Porto, na Associação Empresarial de Portugal.
O propósito do governo revelou-se extremamente escasso, tanto pela público que mobilizou, como pela área geográfica que abrangeu. A sul do Tejo não foi promovido nenhum debate.
Urgiria por isso, no mínimo, que estivesse presente a comunicação social, nomeadamente a RTP (paga pelo contribuinte), por forma a possibilitar uma posterior difusão alargada do debate, dando assim aos portugueses oportunidade de saberem o que o acordo lhes reserva. Mas isso não é, manifestamente, o que se pretende.
Linguagem e produtos a favor do acordo
Nestes debates, a linguagem utilizada pelos prelectores para defenderam as vantagens do CETA é reveladora da sua visão da economia e da sociedade: falam em consumidores e não em pessoas; em empresas e nunca em sociedade civil ou cidadãos; em lucro, crescimento, competitividade e economia favorável às empresas em lugar de sustentabilidade, cooperação e bem-estar das populações; no benefício na extracção de recursos, sem olhar ao ambiente, à saúde das pessoas, às condições sociais e laborais, à economia local.
Os defensores do CETA falam na exportação de produtos do sector alimentar, mas não referem que o acordo vai obrigar à importação de produtos cujo controle de qualidade e observância das normas europeias serão “garantidas” no Canadá, criando o risco da entrada de produtos com OGM, hormonas de crescimento, desreguladores endócrinos… que são largamente utilizados no Canadá. Também não questionam o facto de passarem a ser importados produtos que o país já produz com excedentes, como a carne de porco e o tomate.
Centram-se preferencialmente nas empresas exportadoras, quando a grande maioria das PMEs portuguesas produzem para o consumo interno, sendo muitas delas responsáveis pela existência de produtos regionais protegidos, dos quais o CETA apenas contempla 20 dos 137 protegidos na UE.
Alegam ainda que o ICS – o tribunal que tem como propósito permitir que os investidores processem os estados – vem beneficiar as PMEs exportadoras, pois as multinacionais já têm os seus próprios canais e poder para o fazer. Tendo em conta os custos astronómicos de um processo desta natureza, a ideia é subvencionar os custos do processo por meio de impostos dos cidadãos… pois claro, pagamos os custos do processo e as possíveis indemnizações dele resultantes!
Celebram a eliminação das tarifas alfandegárias, mas nunca focam a outra face da medalha, ou seja, o corte nas receitas públicas e os custos a adicionar ao orçamento do Estado, para a saúde, subsídios sociais ou educação e de outras implicações produzidas pela aplicação do CETA (OGMs, desemprego, poluição proveniente do transporte…).
Tudo “economia”, nada “política”
O debate de Leiria foi mais um debate em que se falou e discutiu sobre um tratado cujos defensores nem conhecem o número de capítulos do texto, chegando-lhes a cartilha bem sabida sobre as vantagens do comércio livre, mascarando tudo de “economia” e ocultando a “política” subjacente – como explicitamente afirmou o deputado do CDS, Pedro Mota Soares: este tratado, com os seus vastos impactos no nosso quotidiano, não é uma questão política, mas apenas de economia.
Luís Mira, o representante da CAP, foi mais longe, a ponto de considerar que nós, cidadãos, temos mais é que calar e engolir, pois já que vivemos numa democracia, os deputados representam os cidadãos e, portanto, não têm que se preocupar em consultá-los.
E é este entendimento truncado de democracia que nos querem impor para ratificarem o CETA e nos submeterem cada vez mais à hegemonia neoliberal.
Conceição Alpiarça, Activista da Plataforma Não ao Tratado Transatlântico