A manhã tinha despertado fria, denunciando preguiça e intimidade com os lençóis, não queria sair da cama, não me apetecia nem tinha coragem de enfrentar os filhos que já estavam à porta do meu quarto cheios de reivindicações, cada um trazia a sua lista, quatro no total…
Nem as li, sabia de cor a necessidade de cada um, dos sapatos novos ao lápis de cor… E dos cadernos à boneca que sorri… De repente o sol se impôs e num ápice fazia tanto calor que senti a responsabilidade me sufocando. Tentei palavrear uma oração mas faltava-me devoção… Aprontei-me às pressas e fui para a praia. Com o livro “O bar dos canalhas” nas mãos , sentei-me debaixo de uma árvore e comecei a folhear cada página com a impressão que as letras se diluíam.
O calor me afligia mas não era na pele, mas sim a minha mente que transpirava inquieta, sufocada de tantos porquês. Decidi ficar parada … Não pensar em nada apenas olhar para o horizonte que a cada dia sentia mais longe. De repente chamou-me a atenção a conversa de dois rapazes que se aproximaram sem eu notar…
– Temos de ter fé e praticar os mandamentos que Jesus deixou para nós… Dizia um.
– Mas será que tem pessoas que não pecam? Perguntou o outro.
– Olha… Respondeu o rapaz que parecia um anjo que tinha sido enviado para arejar a minha mente. – Olha, nós todos pecamos todos os dias, mas se andares em amor…
– Mas assim… interrompeu o outro, – Assim quando morrermos vamos para o céu ou para o inferno?
– Depende! Depende senão nos arrependermos agora… Olha quando formos ao céu usaremos roupas que rico nenhum na terra conseguiria comprar… Roupas resplandescentes e tão alvas…
Eu, que sou cristã, nunca tinha visto as coisas nesta perspectiva nem entusiasmo… Roupas alvas…– E lá vamos comer o quê? Perguntou o rapaz que não queria ser apanhado desprevenido.
– Será que só vamos comer fruta??? Muita maçããaaaa…
Maldita maçã pensei… Eu que sou carnívora…
– Fome, achas que sentirás fome sentado à mesa do Rei??? A fartura vai-te deixar sem fome…
Queria interromper aquela conversa pois em poucos minutos notei que nunca tinha visto a vida eterna naquela perspectiva… Roupas alvas e muita fruta. Mas calei-me e ouvi tudo silenciosamente… e já não fazia calor, estava no paraíso… De repente senti uma picada de um insecto, sorri para ele e o afastei da minha pele. Tréguas… Estávamos no paraíso.