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Terça-feira, Dezembro 24, 2024

Marx, a indústria moderna e a classe operária

José Carlos Ruy, em São Paulo
José Carlos Ruy, em São Paulo
Jornalista e escritor.

Na cerimônia do quarto aniversário do jornal operário inglês The People’s Paper, Karl Marx pronunciou este discurso que mantém uma atualidade surpreendente.O jornal era ligado aos “Cartistas” ingleses e Marx e Engels colaboravam assiduamente com ele. Neste discurso Marx, além de reafirmar o papel histórico da classe operária como coveiro do capitalismo, identifica a profunda contradição deste sistema injusto que, por um lado, produz riquezas numa escala nunca vista e também, no outro lado, miséria, ignorância e alienação em escala gigantesca e crescente. As referências que faz à união entre industria e ciência, de um lado, e pobreza, desemprego e miséria de outro, são notáveis – foram feitas há mais de 160 anos e mantém sua atualidade em nosso tempo.

Discurso no Aniversário de “The People’s Paper” – Londres, 14 de Abril de 1856

As chamadas revoluções de 1848 não foram mais do que pobres incidentes – pequenas fraturas e fissuras na dura crosta da sociedade européia. No entanto, elas denunciavam o abismo. Por detrás da superfície aparentemente sólida, elas revelavam oceanos de matéria líquida que apenas precisavam de expansão para fazer em bocados continentes de rocha firme. Barulhenta e confusamente, proclamaram a emancipação do proletário, isto é, o segredo do século XIX e da revolução deste século.

Esta revolução social – é certo – não foi uma novidade inventada em 1848. O vapor, a eletricidade e a máquina de fiação foram revolucionários de um tipo muito mais perigoso do que mesmo os cidadãos Barbès, Raspail e Blanqui. Mas, embora a atmosfera em que vivemos pese sobre cada um de nós com uma força de 20 000 libras, vocês a sentem? Não a mais do que a sociedade européia antes de 1848 sentia a atmosfera revolucionária que a envolvia e pressionava de todos os lados.

Há um grande fato, característico deste nosso século XIX, um fato que nenhum partido ousa negar. Por um lado, despontaram para a vida forças industriais e científicas, de que nenhuma época da história humana anterior alguma vez tinha suspeitado.

Por outro lado, existem sintomas de decadência que ultrapassam de longe os horrores registrados nos últimos tempos do Império Romano.

Nos nossos dias, tudo parece prenhe do seu contrário. Observamos que maquinaria dotada do maravilhoso poder de encurtar e de fazer frutificar o trabalho humano o leva à fome e a um excesso de trabalho. As novas fontes de riqueza transformam-se, por estranho e misterioso encantamento, em fontes de carência. Os triunfos da arte parecem ser comprados à custa da perda do caráter. Ao mesmo ritmo que a humanidade domina a natureza, o homem parece tornar-se escravo de outros homens ou da sua própria infâmia. Mesmo a luz pura da ciência parece incapaz de brilhar a não ser sobre o fundo escuro da ignorância. Todo o nosso engenho e progresso parecem resultar na dotação das forças materiais com vida intelectual e na redução embrutecedora da vida humana a uma força material.

Este antagonismo entre a indústria e a ciência modernas, por um lado, e a miséria e a dissolução modernas, por outro; este antagonismo entre os poderes produtivos e as relações sociais da nossa época é um fato palpável, esmagador, e que não é para ser controvertido. Alguns partidos podem lamentar-se disso; outros podem desejar ver-se livres das artes modernas, a fim de se verem livres dos conflitos modernos. Ou podem imaginar que tão assinalável progresso na indústria requer que seja completado por uma igualmente assinalável regressão na política.

Pela nossa parte, não nos engana a forma do espírito astucioso que continua a marcar todas estas contradições. Sabemos que, para trabalharem bem, as novas forças da sociedade apenas precisam ser dominadas por novos homens – que são os operários. Eles são tanto uma invenção dos tempos modernos como a própria maquinaria. Nos sinais que desorientam a classe média, a aristocracia e os pobres profetas da regressão, reconhecemos o nosso bom amigo, Robin Goodfellow[1], a velha toupeira que sabe trabalhar a terra tão rapidamente, esse digno sapador – a Revolução.

Os operários ingleses são os primeiros filhos da indústria moderna. Certamente que não serão, então, os últimos a ajudar a revolução social produzida por essa indústria, uma revolução que significa a emancipação da sua própria classe em todo o mundo, que é tão universal como a dominação do capital e a escravidão assalariada. Eu conheço as lutas heróicas por que a classe operária inglesa passou desde os meados do século XVIII – lutas menos celebradas, porque são amortalhadas em obscuridade e abafadas pelo historiador da classe média. Para vingar as malfeitorias da classe dominante havia na Idade Média, na Alemanha, um tribunal secreto, chamado “Vehmgericht”. Se se visse uma cruz encarnada a marcar uma casa, as pessoas sabiam que seu proprietário estava condenado pelo “Vehm”. Todas as casas da Europa estão hoje marcadas com a misteriosa cruz encarnada. A História é o juiz – o seu executor é o proletário.


[1]Robin Goodfellow: ser lendário que, segundo a crença popular inglesa, protegia e ajudava os homens. Ele é visto, por exemplo, em ação como Puck na peça de Shakespeare Sonho de Uma Noite de Verão.

Texto original em português do Brasil

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