A noite pontilhada de estrelas sempre exerceu grande fascínio no Homem. Olhar para cima e admirar os pontos de luz posicionados segundo regras que nunca dominaremos é um gesto que repetimos com o automatismo dos velhos instintos.
Mas não há nada tão belo como descobrir a lua numa noite sem estrelas. Só os poetas e uns quantos intérpretes da felicidade selvagem, a que remete para o perfume virgem das flores da manhã, conseguem entender o brilho emprestado do luar como uma das maiores dádivas do tempo que nos é cedido para curtirmos o mundo.
Sempre considerei o luar que deixei de apreciar como uma das mais violentas perdas resultantes da minha mudança do campo para a cidade. Nunca perdoarei ao manto de luz que se adensa uns metros acima das nossas cabeças nem à barreira de betão formada pelos edifícios altos por impedirem-me de viver um dos momentos de maior magia disponibilizados pela Natureza, as noites de lua cheia.
Há uma semana saí do centro de Luanda à noite em direcção ao Ramiro, um bairro que admirarei sempre pela capacidade dos seus habitantes de desafiarem as antigas e novas teorias sobre o conceito distância. Quando muita gente torcia o nariz com o simples referir de um evento nas faldas do morro que delimita a Corimba e o Futungo de Belas, já os desprendidos construtores daquela localidade se faziam à estrada sem resmungos nem dramas cinzentos.
Tomei o caminho do Ramiro porque a Ana Cristina, que em 1983 não era mais do que uma joia de bebé às voltas na alcatifa verde lá de casa, chegou aos trinta anos de idade e merecia uma festa a preceito. Foi no trajecto que a lua cheia me surpreendeu, ao vencer com o veículo a subida do Morro dos Veados, de um lado o campo de golfe e, do outro, a belíssima baía transformada em manto de luz baça.
Vieram-me à cabeça as melhores lembranças relacionadas com as noites de luar nos únicos lugares para os quais Deus se deu ao trabalho de inventa-las, os quintais e pátios das aldeias. Num ápice, recuei aos anos 60 e 70, imaginei-me sentado sobre o tronco seco de gigantescas árvores vencidas pelo tempo que nos serviam de plateia para os contos que nunca falhavam nas noites em que o rude breu do campo se retirava envergonhado para deixar a lua imperar por alguns dias.
Conduzi entristecido até ao jango da festa, uns quantos quilómetros mais à frente, pela amálgama de pensamentos e evidências que se associaram àquela visão deslumbrante mal aproveitada. Senti pelos meus filhos que, sendo criaturas citadinas, estão longe de suspeitar sequer a doce magia que à sua idade representa a beleza do luar e as histórias sobre animais, fantasmas e mascarados que se ouvem contar no campo em noites assim. Senti por todos os outros meninos e meninas como eles, entrincheirados na imensa Luanda, sem tempo nem orientação para que desfrutem do mais empolgante dos ciclos da lua. Não há pais que o façam nem há, na verdade, serenidade para um momento de tão sublime fruição, invadidos pela interferência dos ruídos e azedumes próprios de uma cidade em franca superlotação.
A lua cheia é, portanto, um soberbo desperdício em lugares como Luanda. Não admira que se contem aos milhares os petizes que nunca descobriram que as fases da lua são mais do que simples matérias dos manuais para boas notas no colégio ou aquela dica a voar da menina da meteorologia que fecha o telejornal.
O Autor escreve em português de Angola