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João de Sousa

Sexta-feira, Janeiro 31, 2025

A vida toda foi estrela

Ela tinha a mania de grandeza, trocou seu nome por um popularmente famoso pertencente a uma estrela da música.

No mês passado disse ela – gesticulando com toda arrogância enfeitada no salto e maquilhagem exagerada -, a partir de agora chamo-me Madona, porque eu sou pop, eu sou star.

– Mas tu que nem inglês sabes falar queres que te chamem de Madona? – perguntou a amiga inquieta…

– Não sei falar inglês? Como não, se na hora das “conversações” eu entendo tudo e falo línguas… E riram desesperadamente.

– Eu acho que nasci no sítio errado, espera só um dia quando surgir uma oportunidade vais me ver a brilhar.

– Mas em vez de seres alguém que já existe não devias ser tu mesma? Perguntou a amiga, – achas que assim ficas famosa na sombra da outra?…

Segue o movimento amiga e quando eu brotar vou trocar de nome, vou chamar-me welwitcha…

– Mas este é o teu nome…

– Sim, primeiro fico famosa como Madona e depois me imponho como welwitcha. Voltaram a rir…

Não tinha cicatrizes na pele nem na alma, seu rosto lindo camuflava feridas internas que nunca chegaram a sarar, vivia. O seu ser exterior contrastava com o interior e todos os dias humilhava a tristeza austera e desenganada das suas vidas nunca vividas. Pintava o seu mundo com cores alegres emprestadas pelos gigantescos postais das estrelas que a inspiravam e embriagavam seus enferrujados sonhos. Ainda não tinha decidido o que queria ser… se cantora, escritora, pintora, dançarina ou tudo de uma vez… talento tinha de sobra poderia ser o que quisesse, precisava apenas de uma oportunidade.

Enquanto espera pela sua vez de brilhar, cintilava na calçada, iluminando com orgasmos intensos corpos obcecados por prazer, e era aplaudida e regada com uma chuva de champanhe que a inebriava de luxúria, adornada com falsas promessas de promoção e asseguramento. E a cada promessa o sol renascia adubando a sua insistência E ao amanhecer envolta na manta da revolta treinava mentalmente coreografias que a tirariam daquele mundo dependente, murmurava silenciosamente, um dia será a minha vez de brilhar fora desta cama, desta calçada. Aos 65 anos, sentada numa cadeira de rodas à porta do asilo, salto alto e maquilhagem borrada, canta esperançosamente um azedo murmúrio que alegra as companheiras de viagem. Que a aplaudem como uma verdadeira estrela ofuscada pela vida.

A autora escreve em PT Angola

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