Espada em riste, ao lado do rei Salman, rodeado de príncipes e altos dignitários, o presidente norte-americano Donald Trump participou a semana passada em Riad na tradicional cerimónia da ardah, ritual guerreiro com que a corte saudita costuma acolher os mais destacados visitantes estrangeiros.A imagem fica a marcar aquela que foi a primeira viagem externa do seu controverso mandato. Não pela originalidade – George W Bush já havia feito o mesmo em 2008 – mas pelo manifesto alinhamento de Trump com um dos mais consagrados vectores da política externa americana – o apoio praticamente incondicional à Arábia Saudita.
Aliança estratégica
Esse apoio vem desde a Segunda Guerra Mundial, quando Roosevelt, no regresso de Ialta, em Fevereiro de 1945, se encontrou, a bordo do cruzador Quincy, na entrada do canal de Suez, com o velho rei Ibn Séoud.
Ao cabo de várias horas de conversa, foi então selada uma aliança estratégica – o chamado pacto do Quincy – que dura até hoje: exploração do petróleo saudita por companhias americanas em troca de garantia militar à estabilidade do reino, a qual passou assim a fazer parte dos “interesses vitais” dos EUA.
Um acordo que inclui a sistemática renovação do armamento saudita. Só desta vez, foram assinados contratos no montante de 110 mil milhões de dólares, podendo chegar, na próxima década, a 380 mil milhões – simplesmente a maior venda de armas de toda a história dos Estados Unidos!
Beneficiários directos – os grandes fabricantes americanos de armamento: Lockheed Martin, Boeing e Raytheon, General Dynamics, Northrop Grumman e BAE Systems, entre outros.
Um silêncio gritante
Arautos da luta pela liberdade, a democracia e os direitos humanos no mundo inteiro, os americanos observam em relação ao regime saudita,– um dos mais despóticos do mundo – um prudente e gritante silêncio.
Em 2011, escrevia o xeique Nim al-Nimr, da minoria xiita da Arábia Saudita:
Desde que nascemos, vivemos sob opressão, intimidados, perseguidos, vivemos sob terror… Somos continuadamente acusados, ameaçados e agredidos por todos os lados… Nosso peito continuará nu diante das balas deles; nossas mãos, desarmadas; mas nosso coração estará sempre cheio de fé. Não nos resta alternativa: viver nesta terra como homens livres e dignos, ou ser enterrados com honra depois do martírio. Nunca deixaremos de denunciar a opressão que vocês nos impõem e de reivindicar nossos direitos.”
Foi executado em Janeiro de 2016, juntamente com outros 46 sauditas, a maioria sunitas, acusados de terrorismo e/ou conspiração.
Quem, hoje, ainda se lembra deles? Quem, incluindo os media, refere o conflito interno saudita, a sistemática violação dos direitos das mulheres, a ausência de democracia, as numerosas violações de direitos humanos?
Obama ainda ensaiou algumas reticências, mas a Trump, completamente centrado nos negócios, isso não lhe deve ter sequer passado pela cabeça.
Perigo de guerra
Pior um pouco: no mesmo dia em que era anunciada a vitória do candidato moderado nas eleições do Irão, o presidente Hassan Rouhani, o secretário de estado americano Rex Tillerson, falando em Riad ao lado do seu homólogo saudita, numa conferência de imprensa de que foram barrados os media americanos, denunciava as violações dos direitos humanos… no Irão!
Uma situação verdadeiramente espantosa, que só tem paralelo no apelo à luta contra o terrorismo feito por Trump numa conferência de líderes árabes, reunidos em Riad, sem qualquer alusão às responsabilidades sauditas no problema.
Como se não se soubesse que os sauditas, promotores do wahabismo, uma doutrina sunita extremista, têm financiado ao longo dos anos as escolas corânicas onde se têm formado muitos dos radicais jiahdistas. E dado apoio financeiro, ainda que indirecto, juntamente com o Qatar, a grupos islamitas radicais.
Ao proceder assim, a administração americana respaldou inteiramente a política saudita de fazer do Irão o principal inimigo na luta pela hegemonia regional, deixando entender que afinal o terrorismo sunita pode ser até útil na luta contra os xiitas, seja no Irão, na Síria ou no Iémen…
A reforçada aliança dos EUA com a Arábia Saudita traz assim no bojo poucas perspectivas de travagem do radicalismo e o perigo renovado de um confronto directo com o Irão.
Certamente não por acaso, logo a seguir à passagem de Trump por Riad, Teerão anunciou ter construído uma terceira fábrica subterrânea para a construção de mísseis balísticos. É a perigosa dança das espadas.