Não, isto não é choque de civilizações, simplesmente porque nem o ocidente nem o islão estão em guerra.
Isto é simplesmente barbárie gratuita de uns tantos contra inocentes e contra os próprios que se imolam em nome de uma pretensa guerra sem sentido, mas com um preciso objectivo.
O crime como acto comunicacional
Manchester, Londres, Paris seguem-se a atentados em outros lugares desta Europa tolerante, aberta e acolhedora. Atentados contra cidadãos comuns. De todas as idades. Indiscriminadamente. Com uma assinatura: islamismo radical. Esse mesmo a quem o Mayor de Londres, Sadiq Khan, que professa a fé islâmica, não autoriza a matar em seu nome. Como disse, alto e bom som! Será isto uma guerra? Convencional não é. Na verdade, estas acções são mais actos comunicacionais – sob a forma de cruéis assassínios – do que explícitas acções de guerra. Nem do outro lado há soldados, mas cidadãos indefesos! De facto, os danos são todos eles exclusivamente colaterais, uma vez que não atingem directamente as forças do inimigo. Pelo contrário, induzem reforço nas forças inimigas e nos seus sistemas de segurança.
Nestes actos, a lógica é a da comunicação, claro, mas também a da guerra, ou seja, a do amigo-inimigo e do antagonismo radical. Comunicam, através do crime! Aniquilando. Quem, já não importa! Onde, também não! Como, ainda menos! O que interessa aos estrategas do terror difuso não é verdadeiramente enfraquecer militarmente o inimigo, reduzir os níveis efectivos de segurança. O que interessa é provocar um sentimento generalizado de insegurança, para afectar, não as forças no terreno, o exército inimigo, o seu sistema de defesa, mas o modo de vida das nossas sociedades, o nosso quotidiano, os nossos hábitos, as nossas atitudes ou até a nossa visão do mundo. Por exemplo, induzindo também sentimentos de ódio, extremismo, radicalismo.
Digamos que é uma guerra ao contexto de vida do inimigo, não ao seu sistema de segurança, que nunca conseguirão derrotar. É, portanto, uma guerra mais profunda, que sai fora do teatro de guerra porque age de forma global, aleatória, indiscriminada e sobre não combatentes. Esta guerra não põe em causa os soldados, mas as terras dos soldados, as famílias dos soldados, os amigos, os conterrâneos, os filhos, os pais, os vizinhos, sabendo que as consequências serão um reforço dos sistemas de segurança, a componente autoritária do sistema e a diminuição da liberdade (em nome precisamente da segurança). É aqui que eles querem chegar.
Um ataque aos nossos padrões civilizacionais
O que pretendem é provocar uma escalada tal na lógica e no processo securitários que implique a redução da liberdade para níveis inaceitáveis. E dar asas às tendências autoritárias. E ao ódio! Provocar nos outros os mesmos sentimentos que eles próprios cultivam e praticam! Numa guerra atípica que usa os mais poderosos dos meios de combate actuais: a comunicação e a informação.
Uma guerra travada não com as forças armadas, mas contra as populações, com o crime e com a lógica do “sniper”. Uma estratégia aparentemente paradoxal, pois sabemos que as populações, quando atacadas, acarinham sempre o seu braço armado, dando-lhe mais poderes. Que serão usados contra eles, claro, mas que também produzirão efeitos perversos sobre as sociedades que acabarem por evoluir para sistemas fortemente securitários.
E é isso mesmo que eles pretendem: induzir um sentimento de insegurança tão intenso que acabe por provocar um tal reforço da lógica securitária que ponha em causa a própria liberdade. E se esta, a liberdade, é o que melhor representa a matriz da civilização ocidental, isso significará que, deste modo, atingirão o seu objectivo central. E assim sendo, a segurança, em vez de garantir a liberdade, acabará por pô-la em causa, invertendo o seu sentido e alterando radicalmente o modo de vida da cidadania. Para atingirem este objectivo, a linguagem usada nestas acções comunicacionais é a mais eficaz porque é a que mais agrada ao establishment mediático e corresponde à sua caminhada vertiginosa para o mais negro tabloidismo: morte e sangue, espectáculo, dor, raiva e lágrimas.
Os ingredientes de que tanto gosta a imprensa ocidental: espectáculo gratuito, intenso, lancinante que atrai audiências monumentais e que produz lucro (publicidade). O que serve à perfeição a estratégia destes facínoras movidos por um ódio criminoso friamente administrado, até nos seus instrumentos de guerra, pessoas instrumentalmente fanatizadas. Com estas acções, servem-se a eles e servem o que de pior têm as nossas sociedades, o radicalismo, o chauvinismo e a xenofobia. Pelo meio, morrem inocentes.
A resposta
É, por isso, de extrema importância a resposta que tem vindo a ser dada pelos que mais de perto têm vindo a ser atingidos: manter, lá onde o crime foi consumado, o tipo de vida de sempre, não acarinhar radicalismos e responder com intensos gestos de solidariedade. É o que se espera que também aconteça na Grã-Bretanha e na França nas eleições dos próximos dias.