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Sexta-feira, Novembro 22, 2024

Guerras globais, refugiados locais: o maior drama deste século

Os deslocamentos forçados contemporâneos são resultado de guerras locais, violência generalizada e fenômenos naturais. O tema, considerado o grande drama do começo deste século, foi debatido na manhã desta quinta-feira (8) no Salão do Livro Político, em São Paulo, por especialistas e refugiados.

O painel Guerras Globais, Refugiados Locais contou com a participação do professor de Relações Internacionais da PUC Reginaldo Nasser, do doutor em literatura alemã Tercio Redondo, do jornalista refugiado congolês Christo Kamanda, da autora da obra Nakba, um estudo sobre a catástrofe palestina, Soraya Misleh, e do refugiado palestino Isam Ahmad Issa, que participou do filme Era o Hotel Cambridge, lançado recentemente no Brasil.

O professor Reginaldo Nasser destacou o alto impacto das políticas liberais e do poder do mercado como uma das principais causas tanto dos deslocamentos entre países, quanto dos deslocamentos internos – que dizem respeito a 70% do total atualmente. Neste sentido, enfatizou que o tema deve ser encarado, acima de tudo, como uma questão de classes sociais porque as pessoas mais submetidas a condições subumanas neste processo são as mais pobres.

O exemplo citado por Nasser foram as ocupações por moradia do centro de São Paulo – tema do filme Era o Hotel Cambridge – que hoje abrigam tanto os refugiados estrangeiros quanto os “refugiados” brasileiros. Ou seja, pessoas submetidas a tal condição devido à ausência de Estado que são jogadas à margem do sistema capitalista. “Há uma valorização e um estímulo cada vez maior para tudo que está em fluxo: fluxo de mercadorias, de finanças, de tecnologia, de ideias… mas não do fluxo de pessoas. Neste caso se recorre ao Estado Nacional para colocar barreiras ao deslocamento de pessoas.”

Isam Ahmad Issa, Christo Kamanda, Tercio Redondo, Reginaldo Nasser e Soraya Misleh

Tercio Redondo abordou o tema por este mesmo viés. Para ele, o sistema capitalista é o causador da crise de refugiados que o mundo enfrenta atualmente. Esta questão é o reflexo de um modelo que cada vez mais exclui e amplia as desigualdades. “Hoje há milhões de deslocados devido às guerras, mas estas guerras são necessárias para manter o sistema e isso tem origem no modo de produção capitalista baseado na propriedade privada. A única forma de combater a onda migratória é combatendo este sistema. A luta anticapitalista deve ser travada com todas as forças porque este sistema nos destrói”, disse o especialista.

Questão palestina

A autora do livro Nakba, um estudo sobre a catástrofe palestina, Soraia, destacou a resistência do povo palestino como única forma de existir ao longo destes quase 70 anos de ocupação de Israel. Na obra ela resgata a Nakba, o episódio de 1948, quando o Estado de Israel começou a grande ocupação e expulsou mais de 800 mil palestinos de aproximadamente 500 aldeias rurais. Um dos personagens do livro é o pai da autora que à época tinha apenas 13 anos e desde então nunca mais pôde voltar à sua terra natal.

O que nos faz palestinos é a sensação de pertencimento a uma terra que nós sabemos que vamos voltar. O projeto sionista era exterminar o povo palestino e para isso contava com o esquecimento dos mais jovens. Mas nós não esquecemos e é assim que nós derrotamos este projeto. Se os palestinos existem hoje é porque resistem.”

Issan é um dos personagens mais destacados do filme Era o Hotel Cambridge, cuja trama se passa dentro de uma ocupação do centro da capital paulista. Conta com orgulho que escreveu todas as suas falas na obra e faz questão de ressaltar que não é um “refugiado palestino” e sim um “palestino refugiado” que convive com milhares de “brasileiros refugiados” porque foram excluídos pelo sistema e hoje vivem à margem. Para ele, a força e a resistência palestina é o que faz este povo seguir adiante e se inserir em qualquer país onde seja acolhido.

O desserviço das ONGs no acolhimento aos refugiados

Devido à guerra no Congo, o jornalista Christo Kamanda vive no Brasil há um ano e neste período identificou o desserviço prestado por algumas ONGs no acolhimento aos refugiados. Segundo ele, muitas destas instituições usam a imagem de pessoas que acabaram de chegar e estão vulneráveis – pela falta de domínio do idioma, traumas que forçaram o deslocamento e impacto de uma nova cultura – para produzir materiais de comunicação impactantes e arrecadar recursos que não necessariamente retornam às comunidades refugiadas no Brasil.

Christo não titubeia em afirmar que estas ONGs só se desenvolvem e se fortalecem devido à ausência do Estado que não presta a assistência necessária aos refugiados e imigrantes quando são recebidos no Brasil. “Com a falta de uma lei para imigrantes*, infelizmente começou o fortalecimento das ONGs, mas na verdade o objetivo não é ajudar e acolher e nós estamos tentando denunciar isso há muito tempo. Isso é resultado da falta de uma política de imigração num país construído por filhos e descendentes de imigrantes”, denunciou.

No último dia 24 de abril foi sancionada a Lei 13.445/2017 que “dispõe sobre os direitos e os deveres do migrante e do visitante, regula a sua entrada e estada no País e estabelece princípios e diretrizes para as políticas públicas para o emigrante”. A nova lei substitui o extinto Estatuto dos Estrangeiros que vigia desde 1980 e foi instituído pela ditadura militar. A Lei de Migração foi fruto de uma importante luta de organizações da sociedade e das forças políticas e democráticas, em que pese alguns vetos terem merecido algumas críticas de instituições de direitos humanos.

Por Mariana Serafini | Texto original em português do Brasil

Exclusivo Editorial PV / Tornado

Imagem de destaque por REUTERS: Kadir Celikcan

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