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Terça-feira, Dezembro 24, 2024

Trump, Paris e Pittsburgh: a teoria dos jogos explica

João Ricardo Costa Filho
João Ricardo Costa Filho
Professor do Mestrado Profissional em Economia da Fundação Getúlio Vargas/EESP e Professor da Faculdade de Economia da FAAP

No primeiro dia de junho, Donald Trump, Tweeter-in-Chief Presidente dos EUA anunciou ao mundo que os EUA deixariam o acordo de Paris. Ao julgar pelas promessas de campanha, descrença nos efeitos da ação humana em questões como a temperatura global e no modus operandi de Trump foi mais uma quinta-feira usual (utilizo “usual”, porque “normal” é uma palavra que pode ficar fora de moda com tudo que tem acontecido ao redor do globo). Quais os impactos dessa decisão para os EUA e para o mundo? O que poderia estar por trás dessa decisão? Para uma primeira abordagem, faço uso da Teoria dos Jogos, um ferramental analítico que surgiu na Matemática, mas que conquistou diversas áreas, como a economia e a ciência política, sem falar da biologia, relações internacionais e muitas outras.

Nós teremos Pittsburgh. Mas nem sempre

O jornal The New Yorker foi muito feliz na sua charge. É um excelente ponto de partida para entender a situação. Façamos uma analogia sobre se manter no acordo com vizinhos decidindo sobre a reforma em um jardim. Avinash Dixit e Susan Skeath[1] trabalham uma situação com três jogadores que pode nos ajudar a compreender a situação no curto prazo. No seu livro, o jogo representa a seguinte situação: três jogadoras estão considerando, cada uma, se farão uma contribuição para reformar um jardim comum às três. Cada uma delas (individualmente) adoraria que as outras jogadoras contribuíssem para a reforma, sem que elas precisassem fazer o mesmo. Mas, como elas gostariam da reforma no jardim, um segundo-melhor resultado (individualmente) seria aquele no qual todas contribuem. Trabalhemos com duas opções de ogos: simultâneo e sequencial.

Um jogo simultâneo é aquele em que cada jogador deve escolher a estratégia a ser jogada sem conhecer a escolha dos demais. No jogo descrito, cada uma pensando no que é melhor para si, mas considerando o que as outras poderiam fazer, conduziria à seguinte situação: ninguém contribuiria para a reforma. Para os iniciados, o jogo está resolvido no “Apêndice” deste artigo. Qual é a intuição por trás disso? A melhor estratégia para cada uma é não contribuir, pois i) se as outras o fizerem, elas estarão no melhor cenário e ii) se ninguém mais contribui, elas não ficarão presas a bancar sozinhas a reforma (que é considerado o pior cenário individual).

Mas e se o jogo for sequencial, ou seja, e se as jogadoras tomarem as suas decisões sabendo o que foi escolhido pela jogadora que escolheu antes? Nesse caso o resultado muda completamente. Adaptemos para o tema deste artigo. Imagine que Trump escolha primeiro. O melhor que ele pode fazer é escolher não contribuir (ficar fora do acordo), pois ele antecipa o que os outros jogadores farão (coloquemos Europeus e Não Europeus, por simplicidade). Nessa antecipação, ele conclui que mesmo que ele fique fora, os outros irão continuar no acordo. Isso o induz a não contribuir (mesmo que ele quisesse que o acordo fosse feito!).

Intuição do resultado: a melhor escolha para o curto prazo para o país poderia, sim, ser sair do acordo, pois se todo mundo cumprir a sua parte, exceto os EUA, os norte-americanos se beneficiam do cumprimento do acordo, sem arcar com os custos. Mas, como diria Milton Friedman, “there is no such thing as a free lunch”.

No longo prazo estaremos todos mortos?

Uma decisão como a que está sob análise neste artigo não pode ser pensada somente considerando os ganhos de curto prazo (no limite, nenhuma decisão deveria ser tomada assim, especialmente de presidentes). E quais os impactos de longo prazo? É possível que a saída dos EUA possa enfraquecer o acordo. Porque, se todos os envolvidos considerarem apenas os ganhos de curto prazo, expressos no racional acima, todos – unilateralmente – teriam incentivos para deixar o acordo, conduzindo a economia global aos resultados conhecidos dos problemas da falta de coordenação, como a Tragédia dos Comuns.

Ademais, Donald Trump deveria ampliar a sua esfera de ponderações e incorporar o fato de que existem ganhos em ser um protagonista internacional. Portanto, os EUA poderiam perder duplamente: deixam capital político à mesa, esperando ser capitaneado por alguma outra nação (Macron publicou um vídeo com a hashtag “Make the World Great Again”), e também entramos num mundo em que cada jogador faz o que é melhor para si, considera o que os outros farão, e todos acabam numa situação pior do que se cooperassem, o resultado já conhecido do Dilema do Prisioneiro (ou do Street Garden Game, descrito acima).

O que pode ser contra intuitivo para aqueles não iniciados na arte da Teoria dos Jogos é que escolher uma situação na qual você está pior não é, necessariamente, fruto de uma ação irracional. Mesmo escolhas racionais podem conduzir a esse equilíbrio. Quando introduzimos escolhas intertemporais (presente e futuro; curto prazo e longo prazo), basta que os jogadores (Donald Trump, por exemplo) tenham muita pressa para materializar os seus ganhos (ou seja, descontam muito o futuro) e o mesmo resultado pode emergir.

Em suma, Trump parece ter tanta pressa que desconta (esquece?) o futuro e prejudica diversas gerações, independentemente do lado que estejam do muro. Ao jogar “não cooperativamente” um jogo “cooperativo”, ele pode até aferir ganhos no curto prazo. Mas não acredito que se sobreponham aos custos envolvidos.

Essa pressa não faz nada bem ao mundo.

Trump

Figura 1: Jogo na forma simultânea; Adaptação do jogo de Dixit e Skeath (2004)

Europeus
 Fica  Sai
 Não euro  Fica  5, 5, 5  3, 6, 3
 Sai  6, 3, 3  4, 4, 1

Europeus
 Fica  Sai
 Não euro  Fica  3, 3, 6  1, 4, 4
 Sai  4, 1, 3  2, 2, 2

Figura 2: Jogo na forma sequencial; Adaptação do jogo de Dixit e Skeath (2004)

[1] Dixit, Avinash, and Susan Skeath. “Games of strategy 2nd edition.” WW Norton& Company (2004); capítulo 4.

O Autor escreve em português do Brasil

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