1910 – 1968
Escritor antifascista, com actividade na oposição ao regime fascista e conteúdos literários de denúncia do colonialismo, Castro Soromenho foi perseguido pela PIDE e obrigado a exilar-se.
Passa tempos dolorosos em França, de onde segue para o Brasil. Embora escrevendo a quase totalidade da sua obra ficcional em Portugal, assumiu-se como escritor angolano. Projectando a sua obra além-fronteiras, Castro Soromenho é considerado um precursor da novelística neo-realista portuguesa e um dos primeiros expoentes da novelística angolana.
Sempre odiado pelo regime fascista, nunca pôde regressar do exílio e viveu atormentado pelas dificuldades económicas e pelas doenças. Depois de uma vida dedicada à Literatura e à luta antifascista e anticolonialista, morreu em São Paulo, no hospital da Beneficência Portuguesa, portador de uma Carteira de Identidade para estrangeiros e “nacionalidade: apátrida”.
Biografia
Jornalista, ficcionista e etnólogo, de nome completo Fernando Monteiro de Castro Soromenho, nasceu em 1910, em Chinde, Moçambique. Trabalhou em Angola como funcionário da Companhia de Diamantes e como redactor do Diário de Luanda.
Quando em 1937 o escritor regressa a Portugal, não consegue emprego na imprensa portuguesa e trabalha como correspondente do jornal literário Dom Casmurro do Rio de Janeiro, Brasil. Em 1940, entra para um jornal português como repórter e publica trabalhos em diversos jornais e revistas, entre os quais, Jornal da Tarde (Lisboa), A Noite (Lisboa), O Mundo Português (Lisboa), O Século (Lisboa), Diário Popular (Lisboa), Seara Nova (Lisboa), O Primeiro de Janeiro (Porto) e O Diabo (Lisboa). A maior parte desses trabalhos trata de etnografia e história africana e colonial e literatura portuguesa e brasileira.
A carreira de escritor, que se iniciou com Aves do além (1934) e Lendas negras (1936), prossegue com Nhárí (contos, 1939), Noite de angústia (romance, 1939), Homens sem caminho (romance, 1941), Rajada e outras histórias (contos, 1942).
Jornalista e escritor
Castro Soromenho publicou o primeiro livro, Nhárí, com certa relutância, pois duvidava das qualidades literárias desses contos. O trabalho recebe o Prémio de Literatura Colonial e é bem acolhido pelo público, mas o escritor jamais permitiu sua reedição. O livro Homens sem caminho foi inicialmente apreendido devido a certas cenas que a censura considerou demasiado eróticas. Após serem sacrificadas as partes censuradas pelas autoridades, o livro obteve o 1º prémio de Literatura Colonial. Rajada também obteve um prémio de Literatura Colonial, em 1943, e esse foi o último concurso de literatura colonial a que o escritor concorreu. Ainda em 1943 e 1944, Castro Soromenho publicou outros três livros sobre viagens e história colonial: A aventura e a morte no sertão (1943), Sertanejos de Angola (1943) e A expedição ao país do oiro branco (1944).
No final 1943, Castro Soromenho abandona o jornalismo profissional para se dedicar exclusivamente à literatura. Em 1944 publica Mistérios da terra: Mucanda, Cangongo (um estudo sobre o ritual da circuncisão entre os Quiocos), começa a escrever Calenga, livro de contos, que é publicado no ano seguinte, e Terra morta, que conclui em 1945. Nesse mesmo ano, em cumprimento de disposições vigentes, o livro é enviado à Comissão de Censura e volta com a chancela de “Proibido de editar-se”. Terra morta marca o início da segunda fase literária da obra do escritor, que trata dos efeitos da colonização portuguesa.
Embora escrevendo a quase totalidade da sua obra ficcional em Portugal, evoca nas suas narrativas o contexto histórico e etnográfico colonial, a cuja investigação também se dedicou com reconhecido mérito. Acentuando – sobretudo na trilogia Terra Morta, Viragem e A Chaga – a crítica à ocupação colonial, Castro Soromenho vive sob suspeita por parte da PIDE.
Em 1948, Castro Soromenho é encarregado, juntamente com os escritores Adolfo Casais Monteiro e António Pedro, da propaganda eleitoral (na rádio) do General Norton de Matos, o candidato oposicionista à presidência da República, que veio a desistir da candidatura por falta de condições políticas. Nesse mesmo ano, o escritor fez sua primeira viagem à França.
Em 1949, Castro Soromenho embarca para o Brasil como correspondente do Diário Popular. No Rio de Janeiro, o escritor acerta com o editor Arquimedes de Melo Neto, que dirigia a Casa do Estudante do Brasil, a publicação de Terra morta e a constituição de uma editora que viria a ser denominada de Sociedade de Intercâmbio Cultural Luso-Brasileira. Em seguida, parte para Buenos Aires, onde se casa com Mercedes de la Cuesta, então funcionária do ministério das Relações Exteriores da Argentina.
Após o casamento o casal volta para Lisboa e Mercedes obtém uma transferência para a Embaixada da Argentina em Portugal. (Na primavera de 1950, o escritor e sua mulher viajam para França, aonde nasce o primeiro filho Fernando Waldemar em Neuilly-sur-Seine, nos arredores de Paris. O casal teve mais dois filhos: Stella Susana e Jorge Eduardo).
Castro Soromenho em Angola
Castro Soromenho com Manuel da Fonseca, Joaquim Figueiredo Magalhães e José Cardoso Pires – Lisboa, 1959.
Arquivo do Diário de Lisboa
Escritor e editor
Sob a direcção literária de Castro Soromenho, a Sociedade de Intercâmbio Cultural Luso-Brasileiro publica, entre outras obras, uma edição de Peregrinação de Fernão Mendes Pinto, com edição literária de Adolfo Casais Monteiro. A editora é dissolvida pelos sócios pouco depois, e o escritor funda, em 1953, a Editorial Sul. A nova editora é formada em sociedade com seu cunhado Raúl Mendonça, que aparece como sendo o responsável pela empresa, pois o escritor sabia que as autoridades não permitiriam o funcionamento da editora se o seu nome figurasse nos documentos oficiais.
Entre as diversas obras lançadas pela Editorial Sul, destacam-se: O românico em Portugal (1955), de Reynaldo dos Santos; História trágico-marítima, compilada por Bernardo Gomes de Brito, anotada, comentada e acompanhada de um estudo por António Sergio (1955); a edição de luxo em três volumes de Guerra e Paz, de Tolstoi (1956), traduzida por João Gaspar Simões e ilustrada por Júlio Pomar; Azazel: peça em 3 actos (1956) de José-Augusto França; e O azulejo em Portugal, (1957) de Reynaldo dos Santos. Pela Editorial Sul sai, também, a segunda edição de A maravilhosa viagem (1956).
Nesse mesmo ano, Terra morta é publicada pela Présence Africaine, em tradução para o francês de Violante do Canto e prefácio de Roger Bastide, com o título de Camaxilo. No ano seguinte, sai Viragem em Portugal pela editora Ulisséia. O livro não é proibido, mas, em represália, a Editorial Sul é fechada pelas autoridades sob a alegação de irregularidades administrativas. Castro Soromenho prossegue suas actividades editoriais de forma encoberta, com a ajuda de Rogério de Moura, seu sócio.
A ida para o exílio
Em 1959/60 colabora com uma rede de conspiração visando o derrube do regime salazarista. No início de Abril de 1960, é descoberto, numa praia, o cadáver de um dos membros da conspiração, que actuava na clandestinidade (episódio que inspirou o livro Balada da praia dos cães do escritor José Cardoso Pires). Ao tomar conhecimento do facto através da imprensa, Castro Soromenho pensa, erroneamente, que se trata de um assassinato efectuado pela PIDE. Conclui que a conspiração havia sido descoberta e decide, então, sair de Portugal. Em Setembro de 1960, parte com a mulher, Mercedes, e quatro filhos, e passam a residir em Paris.
Começa o exílio do escritor. Algumas semanas depois da ida de Castro Soromenho para a França, a PIDE, que desconhecia sua fuga, invade sua residência, que se situava na Praça das Águas Livres, com ordem de prendê-lo.
A vida em Paris
Em 1962/64, o escritor trabalha em Paris como leitor de português e espanhol na editora Gallimard e colabora nas revistas Présence Africane e Révolution, nas quais publica contos e dois trabalhos sobre a rainha Jinga. A tradução para o francês de vários desses trabalhos é feita por sua mulher, Mercedes, que durante algum tempo trabalhou no Centre National de la Recherche Scientifique – CNRS.
Nesse período, Castro Soromenho realiza viagens à União Soviética e à Argélia e escreve aquele que seria o seu último romance, “A chaga”, que conclui em 1964. Nos dois últimos anos de sua permanência na França (64/65), o escritor trabalha como investigador de literatura científica portuguesa sobre África no CNRS, sob orientação de Michel Leiris.
No exílio em Paris, Castro Soromenho é assíduo frequentador da casa do seu amigo angolano Inocêncio da Câmara Pires, que fora membro das Brigadas Voluntárias pela República (guerra civil espanhola) e que é, na época, “assumido embaixador dos movimentos de libertação em Paris”.
A casa de Câmara Pires é um ponto de encontro de pessoas que fogem de Portugal e das colónias, principalmente daquelas com relações com o Movimento Popular de Libertação de Angola – MPLA. Por lá passaram Agostinho Neto, Marcelino dos Santos, Mário Pinto de Andrade, Carlos Serrano, Paulo Jorge e muitos outros.
MPLA, em Paris
Sobre Castro Soromenho, diz o ex-ministro angolano Paulo Jorge que, embora o escritor não fosse propriamente um militante: ele próprio também nas conversas ia fazendo sugestões para realmente projectar ainda mais a imagem do MPLA. Inclusivamente, na documentação que se recebia, ele trabalhava connosco a elaborar este ou aquele documento, comunicado, etc, para chamar a atenção para o apoio ao MPLA. Com Marcelino dos Santos e Mário de Andrade ele participou muitas vezes na divulgação de escritores ou obras de autores africanos. Muitas vezes nesses encontros abordavam-se temas de poesia, literatura, porque Soromenho estava preocupado com a divulgação das obras dos dirigentes do MPLA, que eram poetas e que eram escritores”
No mesmo sentido, afirma Costa Andrade: Castro Soromenho, com Mário de Andrade, catapultam a literatura angolana (…) para as páginas e os livros de várias línguas, significando a primeira mensagem revolucionária e literária do povo angolano levada às suas audiências”
Com a mulher, Mercedes, em França
Maria Lamas com os escritores José Cardoso Pires e Castro Soromenho, creio que em Paris
Problemas de saúde
Em 1962, Mercedes, sua mulher, começa a apresentar problemas de saúde (cansaço, mal estar), mas os médicos não chegam a um diagnóstico conclusivo. Em Janeiro de 1963, adoece gravemente, é internada e entra em coma. Desta vez, os médicos diagnosticam tuberculose. Após passar por diversos hospitais, é transferida meses depois para um sanatório em Versailles onde permaneceria até meados de 1965. Abalado com o grave estado de sua mulher, Castro Soromenho tem sucessivas crises de asma e também é internado. Impossibilitado de cuidar dos filhos, é obrigado a enviá-los para casa de parentes, em Portugal. Edite e José Cardoso Pires propõem-se a acolher a filha Stella, que reside com eles durante um ano. Após a saída do hospital, Castro Soromenho continua a residir em Paris com os dois filhos rapazes.
Vida clandestina em França
No verão de 1963, o escritor é procurado por um agente da polícia francesa que o previne da possibilidade de um atentado planeado pela OAS, a conhecida organização francesa de extrema-direita que se opunha à independência da Argélia e que, presumivelmente, mantinha contactos com a PIDE. Por sugestão da polícia francesa, vê-se obrigado a entrar numa espécie de clandestinidade, fora de Paris. Num testemunho posterior de Mercedes, Castro Soromenho «recorreu a um bom amigo de insuspeitada idoneidade e conduta, cuja acção em favor dos argelinos visados pelas autoridades francesas durante a Guerra da Argélia, era sobejamente conhecida, o “Abbé” Robert Raullet. Este arranjou-lhe alojamento em casa de um casal francês, M. et Mme Arnoult, que viviam em Ballancourt, pequena localidade situada nos arredores de Paris. Em casa desse casal, meu marido permaneceu cerca de dois meses, passando, depois a viver num quarto em Livry-Gargan, por recomendação do próprio Abbé Robert»
Em 1965 (quando Mercedes sai do sanatório), o casal vai viver no Havre e, depois, em Villejuif, perto de Paris. O visto de permanência temporário do escritor na França expirava em Fevereiro de 1966. Face às dificuldades de se manter em França, o casal decide emigrar para o Brasil, onde Casais Monteiro e Fernando Mourão lhe conseguem perspectivas de trabalho num grande jornal da imprensa de São de Paulo e, como professor, na Universidade de São Paulo (USP). Porém, a situação complica-se. Mercedes e os filhos possuem passaportes argentinos, mas Castro Soromenho precisa de renovar o seu.
A última foto em Paris (1965), com a antifascista Maria Padez e o marido, o advogado francês Jacques Kotzky, um casal que apoiou muito Castro Soromenho e Mercedes, nos anos de exílio em Paris
A embaixada portuguesa em Paris carimba no seu passaporte que é apenas válido “para regressar a Portugal via Espanha”. Por interferência de Agostinho Neto, Mário de Andrade e Luis d’ Almeida, o governo da Argélia dá um passaporte ao escritor e, devido à perspectiva de trabalho na USP, as autoridades brasileiras conferem-lhe um salvo conduto que o escritor utiliza para, em Dezembro de 1965, embarcar para o Brasil.
Passaporte passado pela Embaixada de França, em 1965
Os últimos anos, já no Brasil
Castro Soromenho e família chegam a São Paulo em Dezembro de 1965. A perspectiva de trabalho no jornal paulista não se concretiza. Na USP, participa no Centro de Estudos e Cultura Africana, mais tarde Centro de Estudos Africanos. O Centro estava no seu início. Consegue a solidariedade de exilados portugueses que o levam a ser professor na USP. No jornalismo, colabora no semanário português anti-salazarista “A Semana Portuguesa“ e publica alguns artigos sobre África num diário paulista.
Em 1967, é publicada em São Paulo, uma nova edição de “Viragem”. O livro inédito “A chaga” havia sido enviado a uma pequena editora que não conseguiu efectivar a sua publicação.
Em 18 de Junho de 1968, Castro Soromenho morre em São Paulo, no hospital da Beneficência Portuguesa, em consequência de um derrame cerebral. Era portador de Carteira de Identidade do Brasil para Estrangeiro, em que figurava como nacionalidade: “apátrida”. É enterrado no Cemitério do Tremembé.
Dados biográficos:
- Castro Soromenho Biografia
- Infopédia, artigos de apoio: Castro Soromenho
- Fotos de Helena Pato e de Sobre Castro Soromenho