“E chamou à luz dia e às trevas noite.”
Gén. I,5
Um cadáver aparecido nas traseiras da Igreja matriz acaba por incomodar toda a gente da aldeia. Quem saberá das estranhas ligações do Inventor ao mundo das bugigangas conclui que nenhuma razão credível e sensata é suficiente para esclarecer o sucedido. Esta morte alimenta todas as conversas nas tascas, no café do Maneta, nas casas mais afastadas do burgo. Pelas esquinas e pelos cantos juntam-se pessoas em conciliábulo, ciciando hipóteses, levantando as pequeninas pontas do véu da estranha vida do Inventor.
E o que sobra de tudo isto? Pouco, muito pouco, apenas pedaços de vida, fragmentos de luz, é quase nula a claridade, fica apenas um crepúsculo a agitar as ondas desta vida aparentemente sem grandes ondas. Ninguém suspeita de ninguém. Vagos indícios de latas, motores, asas, velharias somente. Quem liga a um Inventor que se refugia debaixo de uma gigantesca montanha rodeado de sombras e latas? A vida está sempre cheia de sombras e crepúsculos, digo eu Pepe Mão de Fada aqui sentado à beira desta quinta à escuta de um pequenino sinal quando tudo aquilo que farejo é o cheiro das ervas e dos estrumes e um ou outro pássaro voador à cata de insectos. Coisas sem explicação nenhuma, coisas que ninguém entende quando o tom do ar enegrece lentamente e o vento explode nas ramagens das árvores da montanha umas vezes verde outras vezes azul conforme a luz.
(De luz e sombras é feita a vida do personagem que passou para o lado mais obscuro desta nossa viagem)