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Segunda-feira, Dezembro 23, 2024

A história

Alexandre Honrado
Alexandre Honrado
Historiador, Professor Universitário e investigador da área de Ciência das Religiões

DO AVESSO

Todos os dias, desde muito menino, que estudo História. É uma forma de recusar as frases feitas, as ideias preconcebidas, as decisões tomadas. É sobretudo um desejo antigo de não acreditar no que me dizem em relação ao que terá sido, com a vontade enorme de saber como foi. Por isso me concentrei – centrei? Foquei? – na História Cultural e na História das Ideias, onde se adquire a proximidade com a Antropologia, isto é, com o conhecimento global do Homem – e da Mulher, obviamente, embora a gramática nos atraiçoe – querendo-o para análise, no que sente, pensa e age.

A História. Nacional, Universal, Europeia, Familiar foram-me sempre agradáveis. Mosaicos incompletos que exigem um esforço enorme de atenção e de imaginação para colmatar brechas.

Não percebo como algumas pessoas que conheço não fazem ideia da História que as trouxe aqui. Ignoram pais e avós, e sobretudo outros ancestrais que lhe formataram a sorte e o chão que pisam e as agruras que os espezinham. Esses normalmente votam sem perceber que se amordaçam; ou negam-se a votar na convicção de que a sorte não é coisa que os inclua. Também não entendo, definitivamente, as pessoas que, em vez de enfrentarem a História que nos antecede brincam a um criar de enredos novos, fazendo história onde ela nunca esteve, ignorando etapas, passagens, evoluções, acontecimentos – em nome de interesses quase sempre dúbios.

Isto é válido também para a turba que se solta psicanaliticamente nas redes sociais, na catarse das suas debilidades, como para os jornalistas que em vez de interrogarem interrompem e em vez de analisarem preconcebem. Que querem audiências e não evidências. Que querem o espetáculo a que temos direito – e definitivamente não querem a verdade. Sobretudo é válido para um determinado tipo de classe política que dá o feito por não dito e o dito por defeito.

Estamos condenados a tornar-nos em desenfreadas Assunções Cristas que se esqueceram de como foram protagonistas e cúmplices do pior da história coletiva, para agora lançar dúvidas e inquéritos como se tivessem acabado de nascer historicamente? Se assim é, choremos. Temos muito luto pela frente.

Aos alunos que tenho tido nesta área, aponto sempre a evidência: não se rendam perante o que julgam evidente. Há sempre mais perguntas a fazer, mais respostas aparentemente inalcançáveis.

Dizem que na Lei só os polícias e os juízes é que têm consignada a capacidade das perguntas. E que só os juízes têm reservado o direito às respostas. Mas sabemos que não deve ser assim. Os investigadores, os historiadores – e todos os que desejam que o passado se revele, precisam da pergunta e do inquérito, mais do que os polícias e os juízes – e de modo infantil os jornalistas que têm momentos em que se reclamam do policial e do juízo, quando são apenas veículos do inventário dos dias.

A História não se aprende, assim, pela leitura dos jornais ou pelo zapping dos canais de televisão, pela vozearia das rádios, pelo flamejante e luminoso néon das revistas, ou pelo tempo de antena que os políticos escavam em toda a toca que os acolha. Por vezes, um facto leva anos a provar. E embora a opinião publicada – nesses formatos das revistas, dos jornais, das rádios, das agências, das redes sociais – releve um pouco das mentalidades, de modo geral, encostando-se as suas mensagens à parede do facto, os seus esforços são muito insuficientes.

Volto ao estudo da História. O meu País há de entretanto arrefecer. E este cheiro a terra queimada, corpos calcinados e vómito coletivo, irá no vento, espero, irá no vento…

Por opção do autor, este artigo respeita o AO90

Ilustração: A procissão do Cavalo de Tróia, de Giovanni Domenico Tiepolo

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