Realizado num clima de profunda desconfiança e quase confronto, em que as relações bilaterais atingiram um dos seus níveis mais baixos desde o fim da Guerra Fria, o encontro Trump-Pútin, à margem da cimeira do G20, em Hamburgo, valeu por si mesmo, pelo simples facto de ter acontecido.Correu, aliás, melhor do que se pensara, já que foram largamente ultrapassados os 30 minutos inicialmente previstos e os dois chefes de Estado conversaram por mais de duas horas. Do que se falou, pouco se sabe para além de que se “estabeleceu uma boa química” entre os dois, algo de que ninguém duvidava, dadas as repetidas expressões de apreço mútuo.
Os responsáveis pelas respectivas diplomacias – o secretário de Estado Rex Tillerson e o ministro dos negócios estrangeiros Serguei Lavrov (únicos responsáveis de alto nível que acompanharam o encontro, além dos respetivos tradutores) deram mesmo versões diferentes sobre a questão da suposta ingerência russa nas eleições norte-americanas.
O primeiro dizendo que Trump “pressionou fortemente” por diversas vezes Pútin sobre a questão e o segundo afirmando que Trump se dera por satisfeito com a “veemente garantia” de Pútin de que não tinha havido interferência…
Para além disso, foram debatidas as questões óbvias sobre as quais há maior divergência entre Washington e Moscovo – a guerra na Síria e o impasse na Ucrânia, para além de uma possível cooperação em termos de informações de segurança e luta-anti-terrorista.
Melhoria das relações ainda terá de esperar
Nada disso foi, no entanto, suficiente para dissipar o clima de hostilidade aberta para com a Rússia que impera em Washington, desde que os serviços de informações declararam, na sua grande maioria, ter havido interferência russa no processo eleitoral com vista a beneficiar Trump contra Hillary.
Múltiplas investigações estão em curso e raro é o dia em que não surgem nos media novas revelações, tentando mostrar que teria havido, sim, alguma forma de coordenação entre a campanha de Trump e o Kremlin. Depois do encontro com Pútin, Trump afirmou ser tempo de restabelecer “relações construtivas” com a Rússia – uma das suas promessas durante a campanha eleitoral.
Mas esse objectivo parece ainda distante – tanta a oposição com que se defronta, quer entre os democratas quer entre os republicanos, fora e dentro da própria Casa Branca. Logo depois das declarações de Trump, a sua própria embaixadora na ONU, Nikky Haley, veio dizer que os EUA “não podem, nem nunca hão de confiar na Rússia.”(sic).
Neste clima, e enquanto não houver um cabal esclarecimento sobre o que de facto de passou na campanha de 2016 em termos de possível interferência cibernética externa, é pouco provável que as relações possam progredir muito.
Por isso, o encontro Trump-Pútin, para já, valeu por si mesmo – pelo simples facto de – contra toda a corrente ainda dominante em Washington – se ter simplesmente realizado, diminuindo, ipso facto, o perigo de confronto entre as duas maiores potências nucleares.
O entendimento mínimo a que se chegou para dar início ao cessar-fogo no sul da Síria, que já entrou em vigor, é um bom exemplo disso mesmo. Com o calar das armas, fica afastada a possibilidade de choques militares envolvendo a Rússia, de um lado, e a Jordânia e Israel – aliados dos EUA – do outro, com as perigosas consequências que se imaginam.
Esse entendimento mínimo é um imperativo da era nuclear em que vivemos. Pode-se negá-lo, invocando todo o tipo de argumentos; mas o elementar sentido de sobrevivência e o simples bom senso ditam que esse diálogo básico seja estabelecido.
Foi o que fizeram agora Trump e Pútin em Hamburgo. E já não foi pouco. Quanto a uma melhoria efectiva das relações bilaterais, essa ainda terá de esperar.