A Springer, maior editora de livros científicos alemã e uma das mais importantes no mundo, deu à estampa uma obra que coordenei, ‘Terrorism revisited’ que penso se pode traduzir em português da forma que encontrei para o título deste artigo.
É uma obra colectiva com uma parte conceptual da minha autoria inclui uma secção de análise de seis dos que considerámos os seus principais exemplos:
- A revolução islâmica iraniana, da autoria de Mosa Zahed, investigador holandês nascido no Iraque e de origem iraniana;
- O jihadismo sunita, da Irmandade Muçulmana ao Califado de Mossul, da autoria de Daniel Brett, britânico, consultor privado de agências de segurança;
- O terrorismo de Estado exemplificado pelo Paquistão, da autoria de Siegfried Wolf, director de investigação do Fórum Democrático da Ásia do Sul (SADF, de acordo com o acrónimo inglês) e do Instituto da Ásia do Sul da Universidade de Heidelberg;
- O antissemitismo como cimento ideológico do jihadismo contemporâneo por Mário Silva, professor da Ryerson University, Toronto, Canada, ex-deputado federal canadiano e ex-presidente da organização internacional International Holocaust Remembrance Alliance (IHRA);
- Os Tigres Tâmil por Djan Sauerborn, académico da Universidade de Heidelberg a trabalhar connosco no SADF e
- A guerra ao terrorismo, a minha análise da estratégia norte-americana e ocidental posta em marcha após o 11 de Setembro.
Terrorism revisited
É um trabalho que desenvolve as concepções e a experiência que me serviram para escrever o livro traduzido para português e editado pela ‘Editorial Presença’ em 2008 ‘A outra invasão do Iraque’ e que resulta de muitas leituras, viagens e reflexão sobre um tema por demais falado mas pouco entendido.
O vocábulo ‘terrorismo’ entrou no léxico ocidental com a revolução francesa e a política de ‘La Terreur’, mas na verdade ‘la terreur’ não foi mais do que a tirania que a politologia clássica nos deixou bem caracterizada; o terrorismo a que fazemos referência é necessariamente exterior ao poder constituído, ou pretende apresentar-se como tal (também temos o terrorismo patrocinado pelo Estado, ou ‘terror’ por oposição ao ‘terrorismo’ se quisermos aplicar a terminologia de Bruce Hoffman).
Walter Laqueur é o historiador incontornável nesta matéria e dá-nos um retrato fascinante de zelotes, sicários, assassinos – e Bernard Lewis é a melhor referência sobre este grupo terrorista iraniano – os ‘thugs’, os ‘lanças vermelhos’ ou os boxer’ até aos contemporâneos ‘meteorologistas’, exército vermelho, acção directa ou brigadas vermelhas, antes de entrarmos na era do jihadismo.
A questão essencial – melhor compreendida por Laqueur que por qualquer outro dos papas teóricos do terrorismo – é que nada há de comum entre as lendárias russas Sofia Perovskaya ou Vera Figner e as já contemporâneas Ulrike Meinhof ou Patricia Hearst, para nos referirmos apenas a mulheres que simbolizaram eras diferentes do terrorismo, e isto claro, para não falar do jihadismo contemporâneo.
Desproporção entre o nível de violência e o impacto psicológico
Entre todas as características apontadas por dezenas de autores ou de formas legais, penso que é uma das assinaladas por Martha Krenshaw a que nos importa reter como característica única do fenómeno: a desproporção entre o nível de violência anunciada ou praticada e o seu impacto psicológico.
E daqui a percepção de muitos de que o terrorismo é a arma dos pobres, embora fosse mais apropriada a noção de um relativamente pequeno investimento em relação aos resultados esperados, ou por falta de ‘capital’ ou por puro calculismo.
O jihadismo desenvolve uma lógica de violência sem limites morais, tanto no terrorismo como noutras formas de violência, que o distancia de outras tradições terroristas e que o aproxima das outras grandes ideologias de assassínio em massa criadas no século XX, o comunismo e o nazismo.
O nazismo tem o seu nascimento associado a algumas acções terroristas emblemáticas, mas fez-se notar essencialmente por movimentações de massas; Lenine e sobretudo Estaline distanciaram-se claramente desse tipo de práticas – e curiosamente, a Rússia foi a partir de meados do século XIX o principal foco do terrorismo – sem que isso os impedisse de usar uma violência sem limites assim que chegados ao poder.
Creio que é na psicossociologia e na sua teorização do ‘espírito fundamentalista paranóico’ (fundamentalist paranoid gestalt) que podemos encontrar o fio condutor que nos permite entender os grandes movimentos de paranóia assassina do último século, e não no terrorismo, que abarca tipos de violência com lógicas totalmente diferentes.
Califado da Mesopotâmia
A título de exemplo, o grupo dito terrorista que está hoje em dia mais em voga, e que é uma das várias cisões do jihadismo, o Califado da Mesopotâmia, ocupou nos últimos três anos uma larga faixa de território nessa área do Grande Médio Oriente, desenvolveu inúmeras formas de violência que vão do genocídio dos Yazidis à guerra clássica, incluindo subsidiariamente o terrorismo nas áreas que não controla.
Descrever o grupo como terrorista pode ter sentido como insulto, mas de forma alguma serve para entendermos as suas capacidades, as suas tácticas de guerra ou a ameaça que ele representa, que estão muito para lá do terrorismo.
Por outro lado, no que diz respeito ao terrorismo, o termo diz mais respeito a quem sofre a violência do que a quem a pratica, porque é a vítima da violência que fica aterrorizada. Mais, na verdade o terrorismo nem sequer se refere a quem fica aterrorizado com a violência, porque o terror é um conceito ‘ex-ante’ (ou seja, é o que se sente no local em que se presencia a violência) e é o horror, conceito ‘ex-post’ o que uma camada da população sente que nos interessa.
Tratamento mediático do terrorismo
Mas o horror provocado por um acto de violência dito ‘terrorista’ depende naturalmente desse acto, mas essencialmente da forma como ele é entendido, e isso por sua vez depende crucialmente dos meios de informação. E aqui temos outra pista essencial, no terrorismo a questão decisiva é a do tratamento mediático do fenómeno.
A incompreensão destes elementos de base pode levar-nos a estratégias totalmente erradas de combate como o foi ‘A guerra ao terrorismo’ ou pior ainda ao uso de eufemismos contemporâneos como ‘radicalização’ ‘extremismo violento’ ou a proibição de se falar de jihadismo feita pela Administração Obama.
Temos de entender que estamos perante um espírito paranóico fundamentalista que é semelhante a um culto como o de Jim Jones (que levou à morte de mais de 900 americanos nos anos 1970) mas que envolve centenas de milhões de pessoas. Um culto que começou a desenvolver-se nos anos 1920 – a Jihad de Maulala Maududi é o equivalente do manifesto do partido comunista do jihadismo – que assumiu a forma de Estado com a revolução islâmica no Irão, e que ameaça hoje o mundo inteiro.
A paranoia jihadista assenta no antissemitismo e numa visão unilateral hipertrofiada de tudo o que um mundo muçulmano romantizado teria sido vítima. Quem viu Mossul cair em três dias nas mãos de uma mão cheia de jihadistas e a resistência de nove meses aos mais sofisticados armamentos do mundo, terá ficado com uma pálida ideia do que temos pela frente.