Ao escavar uma depressão no interior do Estado, retirando-lhe recursos, meios e funções, tornando-o um espaço vazio, um cenário de papel pintado, para circulação de burocratas e outros acomodados, são criadas as condições para o “mercado” ganhar novas nuances e cambiantes, uma nova cor…
Os arautos da narrativa neo-liberal da supremacia do mercado (manto diáfano de fantasia para cobrir a crua realidade da financeirização global da economia) são gente cuja mão ignora o peso de uma “9mm” (e muito menos conhece o seu “coice”) e que, sobretudo, também não imagina onde o desenvolvimento dialéctico dessa sua narrativa vai levar.
A questão sobre a qual Christian Harbulot, desde há anos, tanto se tem interrogado – “pode alguém manter-se inteligente sem se tornar violento?” – está a ganhar uma ainda maior actualidade e uma gritante acuidade.
A questão da confiança, nos Estados soberanos e democráticos, é fulcral na “gestão da cidade” e a lealdade do cidadão é para com o Estado-Nação que lhe garante cidadania, segurança e desenvolvimento. Num Estado esvaziado e oco, é a lealdade que se torna a questão fulcral e desaparece a confiança num Estado tornado um fantasma de si mesmo.
A lealdade torna-se então “tribal” (grupos com objectivos específicos, comunidades autónomas, gangs, mafias, sociedades para-militares, etc.), modos de cada um procurar manter a sua sobrevivência. E entra-se no que John Robb tem chamado de “networked tribes, system disruption and the emerging bazaar of violence“. E só aí, só no interior desses novos universos de lealdades, a confiança se volta manifestar.
Talvez os senhores da narrativa neo-liberal não tenham pensado nisso mas ninguém tem lealdade nem confiança para com o “mercado”… Vai, porém, estando na hora de, das suas caríssimas casinhas de Silicon Valley, do alto das suas soberbas torres de New York, Frankfurt e até Paris ou do conforto dos seus gabinetes universitários, darem uma olhadela (com olhos de ver…) já nem digo a um México mas apenas a Charlottesville e ao seu imenso significado. Pensem nisso enquanto é tempo pois a sua narrativa está a chocar violentamente com os seus limites…
“The presence of armed, right-wing militia at political events is becoming more common”
Defense One | Albin Lohr-Jones/Sipa via AP
Este mundo está tornar-se uma cena bem animada… Apertem os cintos, verifiquem os suspensórios e coloquem (bem) os para-quedas!