O Jornalismo praticado em Portugal é, de uma forma genérica, de má qualidade: copia mais do que investiga, presume onde devia fundamentar, insinua de modo boçal onde devia distinguir-se da conversa de café. Em termos da sua substância, contribui pouco para esclarecer, servindo sobretudo para reforçar o senso comum e o preconceito, emprestandos-lhe uma aura de legitimidade decorrente do estatuto que o meio, contra toda a evidência ou justificação, continua a possuir e a explorar.
Contudo, não é apenas pobre e conivente ao nível da substância: é confrangedor ao nível da forma, sobretudo na sua dimensão oral. Sempre que as circunstâncias impõem fugir do texto previamente escrito, quando que se revela necessário referir termos ou designações em língua estrangeira, sobressai a bolha de surdez voluntária em que vive a classe. Mais que escrever mal, quem pratica a profissão não sabe ouvir. Bastaria, em vez de copiar o texto de outros media, apreender a proferir as palavras escutadas, para não reforçar a impressão já existente ao nível da deontologia de que a formação superior e profissional da classe serviu apenas para aceder ao lugar, e não para preparar o exercício deste.
Uma das anteriores riquezas associadas à classe decorria da condição de quem a integrava: o capital simbólico e humano para lá das palavras, tornando a leitura ou audição do seu trabalho uma experiência de crescimento individual, de acréscimo de conhecimento, de alargamento do horizonte de quem lia e ouvia. Hoje, miseravelmente, não existe diferença assinalável entre as limitações literáticas e discursivas de quem escreve ou profere e a de quem lê ou escuta: a possibilidade real de aprendizagem parece remota, uma miragem em todo um deserto de ignorância partilhada e confortável, em que ao desinteresse de quem recebe a mensagem corresponde cada vez mais uma orgulhosa e militante inépcia de quem a emite.
Os problemas nas redacções são conhecidos; os desafios colocados pela transformação dos modelos de negócio, pela aceleração dos instrumentos de transmissão, e pelo ecossistema que contribuem para redesenhar não o são menos. Mas somar a problemas que em parte nos ultrapassam aqueles que ajudamos a alimentar com défices de investimento no brio – a tal dificilmente pode continuar a corresponder qualquer orgulho no desempenho de uma missão tão mais importante quanto maior a dimensão dos desafios que enfrenta. A carteira não pode continuar a ser considerada mera autorização para a execução: tem de voltar a constituir um privilégio conquistado com mérito cuja justificação seja tão frequente como a sua utilização. E isto envolve obrigatoriamente o respeito pela dupla dimensão do trabalho e da missão jornalística: a qualidade da sua substância; um não menor cuidado com a sua forma.