Alain Marsaud, antigo responsável do serviço central da luta antiterrorista da procuradoria de Paris, resolveu abandonar um debate televisivo depois de ser admoestado pelos seus interlocutores por ter ousado referir-se ao ‘Islamo-fascismo’ expressão tida por não conforme no vocabulário politicamente correcto de regra na imprensa ocidental.
E em bom momento o fez, caso contrário, eu, que não assisti ao debate, não teria tido notícia do facto de finalmente termos responsáveis europeus a entender a importância decisiva do vocabulário utilizado na guerra que a liberdade e humanismo travam contra o jihadismo.
O politicamente correcto
Vamos por partes. O que hoje é comum designar como politicamente correcto e que, mais correctamente, poderia ser designado pela utilização de uma linguagem eufemística, é uma realidade ancestral e que se pratica quer popularmente quer de forma erudita e que tem a sua razão de ser.
Noticiar de forma eufemística o falecimento de um ente querido – como por exemplo dizer que ele partiu – é uma prática de boa educação e do mais elementar bom senso. Trata-se de tentar amenizar tanto quanto isso é possível a dor de alguém. Inúmeras outras situações de foro pessoal ou diplomático aconselham também o uso de expressões eufemísticas. A condenação geral do ‘politicamente correcto’ ou do eufemismo é portanto algo que não tem sentido e que no limite nos conduz à apologia da falta de educação, de sensibilidade ou mesmo de inteligência.
Mas este fim último do eufemismo foi profundamente pervertido pela humanidade, começando a ser utilizado como forma de tornar aceitáveis práticas absolutamente inaceitáveis. George Orwell foi dos primeiros a perceber essa perversão, e é de resto esse seu genial entendimento que está no centro dos seus dois romances mais populares (A quinta dos animais e o 1984).
Num artigo essencial para entender a filosofia política do autor (A política e a língua inglesa, publicado em 1946) Orwell diz-nos que a política se tornou na arte da defesa do indefensável, e que por essa razão ela se transformou numa mistura de eufemismos, falácias ou discurso nebuloso e ininteligível.
É exactamente isso o que ele transpõe nas figuras do ‘todos os animais são iguais, mas alguns animais são mais iguais que os outros’ ou ainda nos Ministérios da Verdade ou do Amor do 1984.
“Chamar os bois pelos nomes”
Uma obra colectiva que apesar de datar de 1990 continua a ser uma referência indispensável sobre o terrorismo (Origens do terrorismo, psicologias, ideologias, teologias e estados de espírito) contém um texto de um proeminente psicólogo social de Stanford, Albert Bandura, que explica como a utilização de eufemismos em matéria de terrorismo é absolutamente contraproducente para quem quiser lutar contra ele.
Nada nem ninguém com qualquer relevo ou estatura académica que se possa comparar ao Professor Albert Bandura se atreveu alguma vez a pôr em causa o bom fundamento científico do que ele explicou de forma lapidar mas, inexplicavelmente, vimos em todo o Ocidente a imposição de absurdos eufemismos para descrever as acções dos jihadistas que atacam a liberdade e o humanismo.
Em vez de assassinos, paranoicos, fanáticos, jihadistas ou Islamo-fascistas, passámos a ter radicais, extremistas e militantes! Um estudo de uma académica francesa (Caroline Lafaye) sobre a imprensa francesa em 2012 mostra a extensão do fenómeno.
E isto é assim não só por causa dos códigos linguísticos impostos na imprensa, administração e academia, mas também pela psicose de apaziguamento e pelos brutais investimentos feitos pelo jihadismo na academia, na imprensa, na administração ou na cultura ocidentais.
As instituições europeias, por exemplo, condicionam as suas subvenções na matéria à utilização de linguagem e conceitos eufemísticos, falaciosos, nebulosos e ininteligíveis, o que explica a execrável qualidade de quase tudo o que se tem produzido nesta matéria com a sua subvenção.
Será tudo uma questão de semântica?
É evidente que não há linguagem e termos ideais e inquestionáveis neste como noutros temas. Por exemplo, eu não utilizo o termo de ‘Islamo-fascismo’ sem com isso discordar em absoluto da sua utilização. A mim parece-me que o termo é aceitável ao exprimir um ponto de vista europeu (e portanto fazendo referência a uma ideologia totalitária que conhecemos) mas peca por menorizar a importância e a especificidade do jihadismo, que difere em muitos pontos do fascismo.
Já utilizei outras expressões para designar o fenómeno, como fundamentalismo. O problema maior dessa expressão é a de ser a extensão do fundamentalismo cristão ao Islão (e não penso que o fundamentalismo cristão contemporâneo possa ser comparado ao Islâmico). O Jihadismo é uma expressão também discutível, naturalmente. O problema maior com que estamos confrontados é no entanto o de que é impossível ganhar uma guerra quando se recusa entender quem é o adversário, e essa recusa tem sido sistemática por parte dos nossos responsáveis políticos.
Envio por isso, as minhas felicitações a Alain Marsaud.