Ontem deixei o meu quarto desarrumado e a loiça suja na cozinha, o fogão também estava sujo e o banheiro molhado, saí correndo, tinha algo prioritário para resolver… Pelo caminho calculava a hora de voltar para limpar tudo, mas lembrei-me que toda a princesa tem uma fada madrinha… por uns instantes relaxei, mas depois caiu-me a ficha.
Já não sou uma princesa sou uma rainha, de castelo e coroa oxidada, uma rainha que governa ainda que desgovernada, a sua própria descendência. E outra vez me lembrei, que qualquer que fosse a hora que voltasse para a casa, teria de matar os meus próprios dragões. E descongelar o almoço.
Já tinha me tornado numa rainha com três descendentes, quando a minha fada madrinha regressou, após algum tempo acamada e chega a avó Filipa, a minha negra de cor amarela, que partiu aos cento e cinco anos de idade para o eterno descanso, não sem antes, durante a vida toda, ter sido a fada mãe de oito filhos e cerca de 90 netos e vários bisnetos.
Ela sim foi para mim o meu porto seguro e sem alternar cuidava para que não me faltasse fé nem determinação, às vezes quando adormecia no seu colo, anestesiada pelo seu viciante cafuné, ela usava o poder da sua varinha mágica e eu acordava na cama, comodamente coberta com aquela confortável colcha de remendos coloridos. E a sua magia mais forte era quando ela dizia que não sabia nem o que comeríamos amanhã, e logo pela manha éramos embriagados pelo cheiro maravilhoso do chá de caxinde, que perfumava a nossa infância com o aroma da persistência. Às vezes comíamos pão com manteiga, às vezes com peixe frito e quando a magia era mais forte, comíamos pão simples ou apenas batata-doce ou mandioca fervida.
As palavras mágicas para conseguir dinheiro do mealheiro mágico, eram: Avó, o meu caderno acabou… e num toque mágico ela desamarrava a sua ponda (um cinturão, feito de pano usado como cinta e porta moeda pelas bessaganas) sacava algumas notas e perguntava… É quanto?
Para ela, a minha negra de cor amarela, a educação e formação são o bem mais precioso que podemos deixar como herança.
E, no dia de partida, foi de mãos vazias, deixando para atrás um rico legado de amor e união, tendo tomado a ousadia de “abandonar-nos“ no dia vinte e cinco de Dezembro, dia da família. Unindo magicamente todos os seus descendentes numa kinda (balaio) de humildade.
A autora escreve em PT Angola