Há alguns meses atrás, debatendo a evolução dos resultados eleitorais em Almada, era já possível chamar-se a atenção para a tendência que se desenhava desde há anos neste concelho: a da redução substantiva e contínua da votação no PCP, através da sua coligação. As respostas a essa constatação provenientes de algumas das pessoas afectas ou mesmo militantes desta força partidária variavam entre a ironia, o sarcasmo, chegando à crítica de natureza pessoal e ao mais baixo insulto. Aparentemente, constatar um facto indesmentível – o afastamento progressivo do eleitorado face ao PCP numa das suas regiões tradicionalmente mais leais – não era aceitável, pelo que não podia ser sequer afirmado, como se as evidências desaparecessem por não pensarmos nelas (espécie de efeito Beetlejuice invertido).
Os resultados das últimas eleições confirmam essa tendência, e só quem não acompanha a realidade pode realmente estar surpreso/a: depois de um percurso de tendencial subida entre 1976 e 1993, os últimos 20 anos são de sustentada queda da votação da coligação liderada pelo PCP, quer em termos percentuais (45.9% para 30.9%, ou seja, de aproximadamente um terço), quer em termos nominais (de pouco mais de 36000 votos para pouco mais de 20000, ou seja, mais de um terço). São vinte anos de erosão de uma base eleitoral, com raízes demasiado complexas para poderem ser abordadas sem profundidade, mas a existência dessa erosão constitui um facto que não vale a pena negar, mas antes – sugiro – reconhecer para depois abordar e compreender.
A autarquia de Almada passa agora para o PS, e ao PCP tem de restar outra conduta que não a afirmada por Jerónimo de Sousa, para quem ora o eleitorado irá, na prática, arrepender-se da escolha, ora as populações serão prejudicadas pelo resultado da eleição como se houvessem sido apenas figurantes-vítima do processo e não os agentes do exercício de um direito que o PCP valoriza quando lhe é favorável mas vilipendia quando lhe é desfavorável. Não pode ser esta última, a solução. Julgar o eleitorado soberano e racional quando escolhe o PCP mas irresponsável quando rejeita renovar o seu mandato é uma forma de arrogância que se paga cara, e para a qual as/os almadenses parecem ter perdido em definitivo a paciência.
Ano | Vencedor | Nº de votos | % de votos |
1976 | PCP | 32 593 | 38,5 |
1980 | APU | 37 034 | 39,0 |
1985 | APU | 37 004 | 49,5 |
1989 | PCP | 27 282 | 39,1 |
1993 | CDU | 36 326 | 45,3 |
1997 | CDU | 35 161 | 45,9 |
2001 | CDU | 27 540 | 41,4 |
2005 | CDU | 28 789 | 42,3 |
2009 | CDU | 27 521 | 38,7 |
2013 | CDU | 23 466 | 38,7 |
2017 | CDU | 20 497 | 30,9 |