Comemorou-se esta segunda-feira, 30 de Novembro de 2015, o Dia Internacional contra a Pena de Morte. A Universidade Católica, a convite da Comunidade de Sant’Egídio, realizou um seminário dedicado ao tema, contando com o testemunho presencial de Curtis McCarty um ex-prisioneiro que esteve 21 anos num corredor da morte nos EUA devido a erro judicial.
Estive lá, a participar porque, tal como a enorme maioria de ocidentais formados pelo humanismo laico e espiritual, sou convictamente contra a pena de morte. Mas a convicção não faz as vezes de um argumento. Se as convicções regessem o mundo, não seria necessário argumentar. Mas, por outro lado, a argumentação também só convence se emergir daquele fundo de humanidade onde desponta a revolta contra a pena de morte e o respeito pela vida.
“Alguém pode ser indiferente quanto à pena de morte e não se pronunciar, não dizer nem sim nem não; mas isso só enquanto não viu uma guilhotina” escreveu Victor Hugo em 1867. Passaram 150 anos. E nos países muçulmanos onde a Sharia é a base do direito penal continuamos a ver a escandalosa pena de morte aplicada a uma multidão de crimes, acompanhada de suplícios e crueldades e executada publicamente. Estes escândalos têm de acabar.
A pena de morte tal como a vemos executada de modo infame na Nigéria, no Sudão, na Arábia Saudita, mas também com o silêncio higiénico da injecção letal nos EUA, acaba sempre por ser o assassínio premeditado e a sangue frio de um ser humano, pelo estado, em nome da justiça. É o castigo mais cruel, desumano e degradante. É um acto de violência irreversível, praticado pelo estado. É incompatível com as normas de comportamento civilizado. É uma resposta inapropriada e inaceitável ao crime violento.
Foi o mesmo Victor Hugo que assinalou Portugal ser a primeira nação-estado europeia a abolir a pena de morte. “Portugal dá o exemplo à Europa. A Europa imitará Portugal.” Assim rezava a sua carta ao Diário de Notícias de 10 de Julho de 1867 aquando da abolição da pena de morte para crimes civis.
Há um longo caminho a percorrer até se cumprir o veredicto de Victor Hugo. A Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, foi um ponto alto nessa luta pela abolição. Aí ficou gravado, no Artigo 3º, o direito de cada pessoa à vida, e a condenação de qualquer tortura ou tratamento ou castigo cruel, desumano e degradante.
Estamos em 2015. São 97 os países que aboliram a pena de morte para todos os crimes, 7 os que a mantêm para crimes cometidos em tempos de guerra e 33 não levaram a cabo execuções nos últimos anos. Mas 66 países mantêm a pena de morte e entre eles a China, a Índia, Indonésia, Paquistão, Egipto, Nigéria, e EUA, ou seja, muito mais de metade da população mundial.
A nossa repugnância frente à pena de morte tem uma só razão: o respeito pela vida humana, o mandamento de não matar. Não vejo outra. É essa a grande razão sem a qual todos os argumentos valem menos. Dostoievski escreveu as seguintes palavras maravilhosas pela boca do Príncipe Michkin: “Foi dito: ‘Não matarás.’ O assassinato legal é incomparavelmente mais horrendo do que o assassinato criminoso.”
Estas reflexões sobre o chamado “direito natural “ sobre o que “é justo por natureza”, nascem na consciência de quem sente a humanidade e não por acatamento de leis supostamente eternas e imutáveis.
Por esse motivo é precioso o testemunho dos que experimentam a vontade de justiça, como é o caso do humanismo laico e espiritual de Nelson Mandela ou o Papa Francisco ou o testemunho dos membros do Projeto Inocência em que participa Curtis McCarty, agora em Portugal.
Sabemos como a pena de morte é discriminatória e instrumentalizada. É muitas vezes usada de modo desproporcionado contra minorias e membros de comunidades desprotegidas; e como forma de repressão política, uma forma de calar para sempre os adversários. A pena de morte não é acto de autodefesa contra uma ameaça à vida; é a morte premeditada de um prisioneiro.
Sabemos também que uma vez tomada a decisão de abolir a pena de morte, não é normal existirem reacções negativas da população. O que queremos é um sistema de justiça para reabilitar gente, uma justiça reparadora, célere, firme e dissuasora da criminalidade. Quem corta cabeças são os talibãs; cortar-lhes, por seu turno a cabeça, seria fazer mártires desses assassinos.
Desde 2002, por iniciativa da Comunidade de Sant’Egídio, cerca de 2000 cidades de muitos países já se associaram à celebração Cidades Pela Vida – Cidades contra a Pena de Morte, iluminando edifícios públicos e monumentos históricos, manifestando-se contra a pena capital e a favor da vida.
Espero bem que essas luzes que agora se acenderam a 30 de Novembro possam despertar a consciência de muitos na luta pelo que é justo por natureza, ou seja: a justiça como reparação e não como vingança, como assistimos com a lei da Sharia.