O relatório da Comissão Independente sobre os incêndios ocorridos em Junho passado é um documento de grande qualidade, profundidade e rigor. Como todos os relatórios científicos necessita de ser lido com atenção e tempo, não se compadecendo com leituras em diagonal como as que foram feitas pelo PSD e pelo CDS que o comentaram pouco tempo depois de ser publicado.
O relatório obedece a uma metodologia rigorosa e possui um índice detalhado que orienta e facilita a sua leitura, sendo antecedido por um sumário executivo cuja leitura bastou a alguns políticos e comentadores para se sentirem habilitados a sobre ele ditarem sentenças.
Do lado dos media, salvo raras excepções, o relatório foi divulgado através de excertos quase sempre descontextualizados destinados a provar a tese de cada sobre as responsabilidades da tragédia de Pedrógão.
Ora, o relatório merece ser analisado para além da procura de culpados porque ele mostra à exaustão que eles são em primeiro lugar os presidentes e os governos que ao longo dos anos não foram capazes nem de identificar os problemas com a profundidade com que este relatório o faz nem, muito menos, encontrar e aplicar as soluções que se impunham.
Para os partidos da oposição e para alguns jornalistas parece que a consequência mais importante, quiçá a única que lhes interessa, é a demissão da ministra, como se o resto – o deficit de conhecimento, a qualificação e fixação de perfis profissionais adequados às diversas funções – fossem questões acessórias.
Sem prejuízo das falhas humanas apontadas no relatório, o incêndio de Pedrogão Grande é, segundo os peritos:
“um exemplo e um aviso de como os sistemas atuais de combate a incêndios não estão preparados para enfrentar um novo problema com raiz nas alterações climáticas. Este incêndio tornou esse problema evidente, pelo que urge entender o fenómeno e adaptar as estruturas de proteção civil para adquirir capacidade de antecipação e planeamento face ao mesmo (…) .” (pág. 12)
Sobre a morte das 64 vítimas o relatório afirma:
“não existem evidências que permitam associar as mortes ocorridas em espaço aberto ou dentro de viaturas, ao não cumprimento de medidas de gestão de combustíveis . (…) as condições extremas de propagação do fogo que se verificaram nos locais e nos momentos das ocorrências fatais, provavelmente ter-se-iam verificado de qualquer forma, independentemente dos trabalhos de gestão junto a infraestruturas. (…).”(pág. 94)
Na entrevista que dá ao Expresso deste sábado, o presidente da Comissão Independente, confirma que o incêndio de Pedrógão foi “uma conjugação de falhas humanas e de fenómenos naturais que aproveitaram essas falhas“, acresentando que “no limite, o Estado é o responsável por tudo“.
O primeiro-ministro tem neste relatório argumentos poderosos para remodelar de alto a baixo todo o sistema de prevenção e combate aos incêndios, sem esquecer o papel da formação dos recursos humanos, abrangendo operacionais e chefias de bombeiros, técnicos florestais, protecção civil, serviços meteorológicos e sensibilização dos cidadãos – mobilizando universidades e politécnicos na criação de programas que incorporem o conhecimento adquirido e correspondam às exigências colocadas pelas alterações climatéricas. Demitir ou não a ministra é irrelevante face à magnitude das decisões a tomar.
Exclusivo Tornado / VAI E VEM