Para quem se interessa pelos temas que genericamente são conhecidos como os das sociedades secretas, assinala-se com grande relevo o conjunto de textos apresentados pela revista da franco-maçonaria, Les Secrets de la Lodge, cuja aparição é sempre tardia nas bancas portuguesas mas que, não raro, contém dossiers e artigos que os estudiosos e os curiosos devem apreciar.Referimo-nos ao número 23 da revista, que acabamos de receber. O título de capa, o mais veemente, chama por certo a atenção – e talvez surpreenda os desatentos. O Compasso e o Crescente – na capa: Le Compas & le Croissant – que nos remete para a leitura pródiga de um texto sobre as sociedades secretas dos franco-mações muçulmanos. O artigo é do jornalista Charles Estambier, que procura o didatismo.
Numa breve resenha, que todavia podia ser mais completa, mostra como os judeus desempenharam um papel fundamental na maçonaria desde os seus primórdios modernos (depois de 1717 e dando como exemplo a presença do judeu Edward Rose numa loja, em 1732), e destaca um facto interessante: a maior resistência à maçonaria parece ter partido de membros de religiões não-monoteístas (dando o exemplo do hinduísmo), pelo menos até ao século XIX, ao que não seriam alheias as políticas coloniais (da França e da Inglaterra) e as suas imposições diplomáticas.
Cristãos, nomeadamente os católicos, judeus e muçulmanos ingressaram na maçonaria – sem preconceitos de carácter religioso ou outro – e os conflitos registados ao longo dos séculos tiveram razões concretas e pontuais, que parecem ter conferido à História interpretações generalizadas que estão longe da verdade. Aliás, há lojas cuja simbólica contempla elementos das três religiões abraâmicas, apresentando em templo, desse modo, a Torah, a Bíblia cristã e o Corão..
Algumas figuras do mundo muçulmano, são dadas como exemplo por Estambier, como o embaixador do Xá da Pérsia, Asker-Khan, iniciado em Paris em 1808, estava a coroa portuguesa a transferir-se para o Brasil (no contexto internacional criado pela ascensão do império de Napoleão Bonaparte. A ideia da retirada da família real para o Brasil dava expressão a uma ideia antiga do Padre António Vieira, no contexto da Restauração da Independência, em 1640, quando a França abandonou Portugal no Congresso de Münster, em 1648, e Vieira sugeriu a ideia a D. João IV, associando-a ao vaticínio da fundação do Quinto Império. Posteriormente, embora sem ameaça militar iminente, também o diplomata Luís da Cunha defendeu a ideia de se transferir para o Brasil a sede da monarquia portuguesa).
Outras figuras muçulmanas aparecem referidas. Entre todas, destaca-se uma, a vários títulos fascinante: Abd-el-Kader ben Mhuleddine, mais conhecido como o Emir Adbelkader, nascido exatamente em 1808 (perto de Moscovo, em El Guetna). O emir seria um dos protetores dos cristãos sírios (em 1860) o que lhe valeria a distinção da grã-cruz da Legião de Honra e o título da ordem de Pio IX. Foi iniciado na Maçonaria na grande loja As Pirâmides reunida em Alexandria, a oriente do Cairo. Foi famoso por ser um líder, resistente à invasão francesa da Argélia – e ainda hoje é um herói nacional argelino, símbolo do combate contra o colonialismo e contra o domínio francês e é considerado o “pai” do Estado moderno da Argélia. Foi simultaneamente político, chefe militar, escritor e poeta, sufi, humanista e exegeta – e é uma das figuras mais interessantes do século XIX da história da Síria, onde morreu, em Damas, em 1883.
A revista deixa claro que certos franco-mações e certas sociedades a eles ligadas, tiveram extrema influência do Islão.
Este número de Les Secrets de la Lodge, tem outros motivos de interesse, como o relato da exposição 1717-2017, três séculos de franco-maçonaria, três séculos de mancipação, montada em França no Musée de la Franc-Maçonnerie (localizado no 9º Distrito, no número 16, na Rua Cadet, Paris) que exaltou o princípio da tolerância religiosa.
Finalmente, entre outros motivos de interesse, uma nota sobre a reportagem sobre a realização do Concílio Gnóstico Mundial, no castelo templário de Mauriac (no coração da terra cátara, na comuna de Senouillac, no Tarn e 850 anos depois do sínodo dos cátaros de 1167), o primeiro concílio das Igrejas Gnósticas, organizado pela Haute Église Independente Orthodoxe Syriaque (HELIOS) que motivou uma mobilização internacional de grande vulto.
Por opção do autor, este artigo respeita o AO90