Volver a los diecisiete
Después de vivir un siglo
Es como descifrar signos
Sin ser sabio competente.
A grande dama da canção chilena, autora destes versos, teria completado 100 anos no dia 4 de outubro.
A compositora, cantora, artista plástica folclorista, comunista etc. etc. etc. chilena Violeta Parra viveu escassos 50 anos, despedindo-se da vida, por vontade própria, em 5 de fevereiro de 1967.
Violeta Parra e Nueva canción chilena
Filha de uma família onde a música, as artes e o folclore faziam parte do dia a dia, Violeta Parra esteve na origem do movimento Nueva canción chilena, do qual fizeram parte artistas e grupos importantes, como Victor Jara, Inti-Illimani, Quilapayún, responsáveis pela maravilhosa trilha sonora da revolução latino-americana desde a década de 1960.
Suas canções unem a militância, o protesto e o mais genuíno lirismo que emerge de uma relação intensa com a vida e a luta contra a opressão e a injustiça. Suas canções são verdadeiros hinos à liberdade e sua é a voz dos que lutam.
Nos anos 1960 ela encontrou tempo para ser professora, juntamente com Victor Jara, no Departamento de Comunicações da Universidade Técnica do Estado, em Santiago do Chile.
Violeta Parra começou a carreira aos 15 anos, para ajudar financeiramente a família em dificuldades depois da morte do pai. Tinha 17 anos (sempre 17…) quando, em 1934, saiu da escola (estava no segundo ano do secundário) para cantar, com seus irmãos, em bares e circos. Mudou-se então para Santiago do Chile, onde formou, com sua irmã Hilda, a dupla “Las Hermanas Parra”.
Desde então viveu em outras cidades chilenas. Viajou pela União Soviética e outros países socialistas; na América do Sul, pela Argentina e Bolívia. Fez apresentações em Londres e Paris, cidade onde morou em algumas temporadas. Lá, em 1964 o Museu do Louvre fez uma exposição com sua arte e a tornou a primeira pintora latino-americana a ter ali uma exposição individual.
Mulher de fibra, que usou seu canto e sua arte como instrumento contra a opressão, não pode viver o período mais profundo da luta, quando a Unidade Popular conquistou o governo com o socialista Salvador Allende, época na qual sua música foi transformada em verdadeiro hino dos novos tempos que se tentava conquistar. Caráter de protesto que se acentuou depois de 11 de setembro de 1973, quando ocorreu o golpe fascista de Augusto Pinochet, apoiado pelos EUA, que pôs um ponto final sangrento e temporário na luta.
A força das canções
A força de suas canções está sobretudo nos versos simples, agudos e diretos como estes de “Volver a los 17”:
“O que pode o sentimento não tem podido o saber
nem o mais claro proceder
nem o mais amplo pensamento”.
Ou:
“O amor é torvelinho de pureza original
até o feroz animal sussurra sua doce voz
Detém aos peregrinos, liberta os prisioneiros
o amor com seus esmeros ao velho torna menino
ao mau só o carinho torna puro e sincero.”
Sentimento semelhante, de crença na luta,e de otimismo, ela canta em “Gracias a la vida”, na qual relaciona poeticamente tudo o que a permite ver, sentir e mover-se no mundo. É, de certa forma, uma ode ao corpo como instrumento do apego à humanidade. Vida que lhe deu o coração que se agita “quando olho ao fruto do cérebro humano” e percebo os “materiais que formam meu canto”.
Ou o protesto abertamente social e político em “La Carta”, onde “me dizem / que caiu preso meu irmão”, e o arrastaram agrilhoado pelas ruas, por apoiar uma greve. “Se por acaso este é o motivo / presa vou também, sargento”. E denuncia: os dominantes jogam a polícia em cima daqueles que pedem pão.
A luta pela liberdade, contra a opressão e o ódio, está outra vez na ordem do dia na América do Sul – e no Brasil. As canções de Violeta Parra, que se ouvia como imagem do belo, voltam a ter, na atualidade, o mesmo caráter de instrumento de luta. São canções inscritas, a ferro e fogo, na consciência dos povos.
Ouça três canções
Volver a los Diecisiete
Gracias a la vida
La Carta
Texto original em português do Brasil